
Cravada em plena Mata Atlântica do Parque Nacional do Iguaçu, a primeira hidrelétrica de Foz do Iguaçu, a Usina São João, está sendo revitalizada e será um atrativo histórico singular da fronteira trinacional.
A Usina São João começou a ser construída em 1936, na esteira da criação do Parque Nacional do Iguaçu, em 1930. Inaugurada em 1942, funcionou até 1983, quando a casa de máquinas foi tomada por uma enchente do Rio Iguaçu.
À época, o papel da hidrelétrica era fundamental para garantir o funcionamento do Parque Nacional do Iguaçu e do então aeroporto da cidade, hoje sede do Gresfi.

O circuito de visitação turística está sendo criado com base em um mergulho no acervo arquivístico e museológico do parque, realizado pelo historiador e museólogo Pedro Louvain.
É ele quem assina o parecer sobre o Projeto de Intervenção no Complexo Hidrelétrico da Usina de São João. Nos últimos anos, Louvain tem se debruçado em diversos documentos.
São preciosidades do ponto de vista histórico e museológico que ajudam a refazer a trajetória da hidrelétrica.
Assista o vídeo:
Diários de produção de eletricidade
Entre os documentos consultados estão diários de produção de eletricidade da década de 1960. Em um desses cadernos, de 1951, há uma série de notas dos usineiros, uma delas parabenizando por um feito.
Muitos desses registros são de autoria do usineiro Arno Welter (1922–1999).

O acervo ainda tem uma planta das instalações de água e luz da usina, com data de 1947, e tabelas de custos. Há também plantas das turbinas, que vieram da Suíça, escritas em francês e alemão, com data de 10 de abril de 1941.
Outra riqueza arquivística são mapas da linha de transmissão da usina. A partir da análise dos documentos é possível constatar que a energia gerada pela hidrelétrica chegava até as avenidas Jorge Schimmelpfeng e Brasil, esta na época chamada de Avenida Paraná.

No acervo estão disponíveis fichas dos funcionários da usina com nome, sobrenome e dependentes. Em outro registro, há uma correspondência do primeiro chefe do Parque Nacional do Iguaçu, Mário Câmara Cantu, respondendo a um questionário do IBGE sobre a produção hidrelétrica.
Com base no estudo do acervo, foi possível desvendar nuances do passado da Usina São João e um pouco do estilo de vida da época.
Em meio aos detalhes mapeados, estão caravanas de jegues e carroças que saiu de Foz do Iguaçu em direção às Cataratas.
Engenheiros tentaram reativa a usina
Tão marcante, a obra da Usina São João levou, em 1989, um grupo de funcionários da Itaipu a uma tentativa de revitalizar a edificação.
Intitulado Grupo de Recuperação da Usina do Parque Nacional do Iguaçu (GRUPI), era formado por engenheiros.
A missão acabou inviabilizada porque os membros concluíram que a reativação da hidrelétrica não seria viável se fosse levado em conta o custo-benefício.

Apesar de a iniciativa não ter saído do papel, o GRUPI deixou enquanto legado um rico relatório com fotos e informações técnicas que ajudaram muito Louvain fazer o parecer para a restauração da usina. Um dos álbuns foi doado pelo juiz Geraldo Dutra de Andrade Neto.
Parque avisava quando a luz seria cortada
Idealizada pelo arquiteto Angelo Murgel, também responsável pelas obras do Gresfi e do Hotel das Cataratas, a usina tem design neocolonial, seguindo o estilo do arquiteto cuja inspiração foram as Missões Jesuíticas, diz Louvain.
Entre os trabalhos do arquiteto, contemporâneo de Oscar Niemeyer, foram encontradas plantas que não saíram do papel. Uma delas é um projeto da entrada principal do Parque Nacional do Iguaçu.
A usina é um complexo formado por duas barragens, vertedouro, castelo d’água e casa de força. Quando estava em atividade, tinha capacidade de 336 quilowatts (kW) – o suficiente para suprir o consumo médio de duas mil residências.

À época, a energia gerada também abastecia o Hotel das Cataratas e garantia um pouco da vida moderna para Foz do Iguaçu. “O Parque Nacional piscava a luz avisando que seria cortada, porque não havia energia suficiente. Também passava instrução para ligar poste sim, poste não”, relata Louvain.
O levantamento histórico é resultado de uma cooperação técnica assinada entre o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) e a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
Cenografia e modernidade
Para ganhar vida e ao mesmo tempo preservar o passado, o prédio da usina passa por uma reforma cuidadosa e minuciosa, com base no levantamento histórico.
O ponto de parada dos turistas será a antiga casa de força, situada perto da cachoeira do Rio São João. A maior parte da estrutura do prédio vai ser mantida intacta, proporcionando aos visitantes um ar de passado.

O quadro de eletricidade será emoldurado, ganhando uma expressão expográfica.
Um deque e um bar-café vão funcionar no local, de onde é possível ouvir o barulho da água e apreciar o verde do Parque Nacional.
Cabos cenográficos serão usados, e um trecho da passarela terá piso translúcido para que seja possível observar dutos.
A experiência incluirá a possibilidade de banho no Rio São João e interpretações ambientais e histórica.
O projeto é resultado da parceria entre a concessionária Urbia Cataratas e o ICMBio, tendo como propósito qualificar a experiência dos visitantes e reforçar o compromisso com a preservação e a promoção do Parque Nacional do Iguaçu.

As obras deverão ser finalizadas no próximo semestre, e a entrada no atrativo estará inclusa no ingresso do Parque Nacional.
Para o período de 2025 a 2028, a Urbia Cataratas irá investir R$ 600 milhões na estrutura para visitação turística da reserva.
Administrado pelo ICMBio, o Parque Nacional do Iguaçu é uma unidade de conservação federal e tem a gestão da visitação turística sob responsabilidade da concessionária Urbia Cataratas S.A.