Meninos eu vi!

Waldson de Almeida Dias, servidor público municipal, fala sobre Palestina e Israel.

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 Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO

VÍDEO: O que sabemos sobre nós mesmos? Assista à nova história da série Vidas do Iguaçu.

TERRA DE AMOR E PAZ! Palestina: terra de amor e paz, assim falava o poeta Mahmoud Darwish. E acrescentava ele: “nós palestinos sofremos de um mal incurável que se chama esperança”.

 O poeta brasileiro, Gonçalves Dias, em Juca Pirama, nos mostra o caso de um guerreiro indígena da tribo Tupi que ao ser prisioneiro dos indígenas Timbiras, sabe que vai morrer. Juca Pirama, em língua Tupi, significa “Aquele que deve morrer”. O poema foi publicado em 1851. Juca Pirama é o último guerreiro da tribo Tupi.

Espero que jamais seja feito um poema para narrar a morte do último Palestino na terra de amor e paz!

Há 16 anos Gaza está cercada através de um bloqueio militar israelense! Isso é fato e contra fatos não existem argumentos! Até mesmo dos negacionistas.

Após 16 anos, militantes palestinos do grupo Hamas, lançou um ataque sem precedentes contra “israel”, centenas de pessoas foram feridas e mortas, além de pessoas sequestradas.

Os militares israelenses, donos de um grande poder bélico, responderam em um primeiro momento bombardeando prédios residenciais em Gaza, feridos e mortos as centenas. Uma luta de David contra Golias! E disse há algum tempo o escritor Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago: “…as pedras de David mudaram de mãos, agora são os palestinos que as atiram. Golias está do outro lado, armado e equipado como nunca se viu soldado algum na história das guerras, salvo, claro está, o amigo norte-americano…”.

O governo israelense declarou guerra ao grupo Hamas, grupo considerado “terrorista” que efetuou um ataque sem precedentes ao estado de ‘israel’. Uma guerra que na verdade começou há exatos 75 anos, onde foi instalado pela ocupação israelense um regime de apartheid contra o povo Palestino. As vítimas dos campos de concentração nazistas se tornaram os algozes dos Palestinos.

Há mortos e feridos de ambos os lados e isso é condenável e poderia ter sido evitado! As opiniões tanto da mídia quanto de todos que desconhecem a verdadeira história deste conflito são inúmeras e em sua grande e esmagadora maioria desprovida de estudo e conhecimento. Emitem opinião sobre o que não estudaram, sobre o que não sabem.

Eu, sei que infelizmente muitos, de ambos os lados ainda vão morrer. Em sua maioria civis, homens, mulheres e crianças que vivem na faixa de Gaza. Eles, tal qual Juca Pirama, sabem que estão condenados a morte, enquanto emitimos nossas opiniões e destilamos nosso ódio, sem se quer saber quem são aqueles que lutam por sua liberdade, que lutam para ter um país, que lutam para poderem ter suas terras.

“Não sabeis o que o monstro procurava? Não sabeis a que vem, o que quer? Vem matar vossos bravos guerreiros, vem roubar-vos a filha, a mulher! Vem trazer-vos algemas pesadas, com que a tribo Tupi vai gemer, hão de os velhos servirem de escravos, mesmo o Piaga inda escravo há de ser! E à noite nas tabas, se alguém duvidava, do que ele contava, tornava prudente: ‘Meninos, eu vi!’”

(Juca Pirama – in – Gonçalves Dias)

Eu estive na Palestina ocupada! E empenho aqui minha solidariedade e amizade aos amigos Palestinos! E tal qual Juca Pirama, lhes conto o que vi, ouvi e senti na terra que oxalá um dia retorne a ser a terra de amor e paz que tanto o Poeta Mahmoud Darwish ansiava.

Ao adentrar no avião, no aeroporto de Tel Aviv em ‘israel’, nas primeiras horas da manhã de um dia que havia começado alegre e nas primeiras horas da noite se tornara tenso, apavorante até, senti um grande alívio quando o avião correu na pista e decolou. Dormi durante todo o voo, as quatro horas que separavam Telavive a Adis Abeba, capital da Etiópia. Ao sentir sobre meus pés o solo africano, senti minha ancestralidade junto comigo, não que ela não estivesse todo o tempo junto a mim no tempo em que passei em terras Palestinas, mas a experiência em terras israelenses havia me abalado bastante.

  Ao adentrar no avião que faria o percurso de Adis Abeba até São Paulo, um tempo médio de voo de quase 14 horas, comecei a relembrar minha estada na terra de Mahmoud Darwish, de Yasser Arafat, de Ruayda Rabah e de tantos outros amigos…

Diante disso, lhes digo: MENINOS EU VI!

Meninos eu vi a Palestina! Meninos eu fui à Palestina! Eu podia ter ficado sentado no velho e surrado sofá jogado no alto da montanha contemplando a paisagem e as plantações de oliveira que se estendem até muito além do que a vista pode alcançar, algo lindo de se ver! Eu podia ter ficado ali parado e dizer que já havia conhecido as terras Palestinas, mas não seria eu! Levantei e adentrei na maior prisão a céu aberto do planeta terra! Ao levantar daquele sofá, Juca Pirama ressoava em minha mente: veja, sinta, vivencie e conte aos meninos, as meninas, a todes os que queiram ouvir e tenham capacidade de escutar, que ainda possuam neurônios em seus cérebros e não no estômago. Se, alguém duvidar do que lhes vou contar, eu torno prudente e lhes digo: Meninos, eu vi!

Eu vi o medo, a indignação e o constrangimento no rosto do amigo e companheiro de viagem que nada havia feito, mas teve que se explicar em uma alfândega, diante de uma policial com cara de poucos amigos, que ostentava a arma na cintura e era apenas o momento de chegada em solo israelense.

Eu vi a menina bonita, com laço de fita e a mochila da escola, sendo que seu uniforme combinava mais com o fuzil a tiracolo que ostentava do que o uniforme de uma simples menina em idade escolar! Eu vi o menino com espinha no rosto na fila do Mcdonld’s portando o fuzil enquanto pedia o hambúrguer. Alguns passos a direita da sala crianças brincando como se tudo lhes fosse normal.

Eu vi meninos e meninas portando armas letais e com ar de superioridade quando te olham de cima a baixo. Não foram poucas as vezes que desviei meu olhar para o milenar chão da cidade “santa” de Jerusalém. Não se tratava de receio ou respeito, mas por medo mesmo!

Eu vi o muro das lamentações, lamentar a separação entre nós e eles, entre Judeus, Cristãos e Mulçumanos, entre você e eu!

Meninos eu vi! Eu vi o senhor de idade avançada responder a minha pergunta com uma caminhada de oito quadras sob um sol escaldante, para nos mostrar onde era o local que deveríamos encontrar a parada de ônibus que poderia nos levar para o outro lado do muro da vergonha, para cidade de Ramallah, na Palestina ocupada! O senhor era Palestino e ficou ofendido quando eu na minha ignorância capitalista lhe ofereci uma ‘gorjeta’ em agradecimento. Não estava acostumado com pessoas que ajudam por bondade, por uma causa, por amizade, por humanidade, por amor! Aprenderia muito sobre isso nos dias seguintes!

Eu vi, pela janela do ônibus 218, que faz o trajeto Jerusalém a Ramallah a gigantesca construção em uma rua de Jerusalém do museu da tolerância, piada pronta diante da intolerância que seus construtores nos dias subsequentes me mostraram para com os Palestinos.

Eu vi este mesmo ônibus repleto de pessoas de todos os matizes, mas até um certo ponto, ou melhor, até um certo Checkpoint: Qalandya! Eu vi os Palestinos descerem do ônibus 218, um a um o ônibus ir esvaziando e eles fazerem a travessia a pé. Isso porque “eles”, os Palestinos precisam “comprovar com visto que não são de Netuno”. Senti raiva pela primeira vez!

Meninos eu vi! Eu vi a abundância e a fome a poucos metros de distância separados por checkpoints, soldados armados “amados ou não”! eu vi o muro da vergonha em pleno século XXI repetir o genocídio: agora são as vítimas de outrora que se tornam os algozes de hoje! Ao avistar o muro pela primeira vez, diante do checkpoint, uma vontade de chorar invadiu meu ser! E quanto mais eu me aproximava do muro mais a vontade de chorar crescia e quando as lágrimas teimosas escorreram por minha face, o medo se fez presente!

Senti medo daquela coisa cinza de concreto e aço, cujo objetivo é separar seres humanos. Passei para o outro lado do muro, sentado confortavelmente no ônibus 218 com ar condicionado! E o monstro de concreto e aço não me amedrontou mais, pois do lado Palestino o muro ganhou vida, ele ganhou voz, ele falou comigo, ele gritou, bradou e denunciou e continua denunciando ao mundo, que em pleno século XXI, um genocídio está sendo perpetrado no planeta terra e os senhores que controlam o mundo finge que nada acontece.

Eu vi o muro me olhar e o primeiro olhar tinha os olhos de Yasser Arafat, o líder Palestino imortalizado, pois vive em cada pessoa que conheci e conversei em cada casa, em cada muro, em cada pé de oliveira, em cada pedra que habita o solo dessa nação não reconhecida, mas que possui dono e o dono é seu povo.

Eu vi e ouvi o muro pelo lado palestino, falar comigo em toda sua extensão, 721km, 8 metros de altura, trincheiras com 2 metros de profundidade, arames, torres de vigilância e a energia do apartheid genocida presente. Esse, tal como o anterior que dividiu as duas Alemanhas, um dia também cairá por terra.

Meninos eu vi! Eu vi o povo, pessoas vivas e vivendo nas ruas de Ramallah, a capital administrativa da Palestina. Vi pessoas rindo, cantando, caminhando, orando, protestando, lutando, bradando, se indignando. Não! não vi ninguém chorando, não vi lágrimas! Sim! Eu vi um povo resiliente! Diante dessa resiliência lembrei das palavras do médico do coração e da alma do povo Palestino, o poeta Mahmoud Darwish. Ele tinha razão, o povo Palestino sofre de um mal incurável chamado esperança. E o vírus da esperança é passado de pai para filho, de mãe para filha, juntamente com a chave das casas que foram obrigados a sair quando israel se apossou delas.

Meninos eu vi! Eu vi a amiga de tempos passados, que encontrei pela primeira vez, me receber com sorriso no rosto e voz forte e determinada ao me saudar e dizer: “Bem-vindo à segurança! Aqui as pessoas não andam armadas!”, ao passar dos dias eu pude comprovar o teor da saudação de minha querida amiga Ruayda Rabah. E comprovei ouvindo e vendo as pessoas nas ruas das cidades Palestinas que me cumprimentavam e sorriam sem me conhecer.

Eu vi os pés de oliveiras até onde minha vista alcançou e além. Eu vi os pratos de comida, senti seus olores, provei seus sabores e me apaixonei por sua culinária diversificada! Eu vi as cidades Palestinas: histórias e energias gravadas através dos séculos, da bela Nablus a cidade mais antiga do mundo, Jericó! Sempre é bom lembrar que Jericó é cidade irmã da terra das águas, Foz do Iguaçu. Local que se tornou a casa de muitos Palestinos migrantes, hoje nossos amigos, nossos irmãos que sofrem todos os dias com o apartheid perpetrado por israel contra a Palestina. Eu vi a principal cidade Palestina, Jerusalém! E vi, conversei e escutei vários Palestinos que vivem a poucos quilômetros da chamada terra santa e não a conhecem, simplesmente porque estão proibidos de pisarem em seu solo. Vi, conheci e fui recebido com carinho e amizade em todas as cidades Palestinas que me foi permitido ver, pois nem sempre os donos do muro, aqueles que promovem o apartheid contra os Palestinos, permitem a livre circulação. Pois muitas são as estradas fechadas, cercadas ou simplesmente destruídas.

Meninos eu vi! Eu vi o céu da Palestina: “o céu mais bonito que já vi na minha vida”, palavras ditas pela minha amiga Palestina, Sarah Atari! Ela não pode mais ver o céu da Palestina e acrescento eu, o lindo por do sol, um sol intenso, vermelho fogo, que distribui energia para cada um dos resilientes habitantes. Minha amiga Sarah não pode adentrar no país de seus pais, dos pais dos seus pais, ao seu país! O regime de apartheid de israel não permite sua entrada, assim como de muitos outros Palestinos que vivem na diáspora mundo a fora.

Meninos eu vi! Eu vi e senti o gosto apetitoso do “Falável”, feito ali mesmo na rua, e me deliciei em comer o “Knafe” de sobremesa que me foi servido antes do almoço e fiz um brinde com chá Palestino. Brindei a cada um dos Palestinos em diáspora que não podem visitar sua terra, pois israel não lhes permite a entrada.

Eu vi o lado de lá e lado de cá de enumeras cidades separadas por muros, cercas, checkpoint. Cidades de um país que não é considerado país, que é segregado, vilipendiado e ferido mortalmente em sua dignidade, todos os dias, a todo tempo!

Meninos eu vi! Eu vi, eu fiquei emocionado inúmeras vezes ao conversar com as pessoas e conhecer suas histórias de vida. Chorei, fiquei irritado, tive medo e odiei! Sim eu senti ódio quando conheci a orelha do diabo e através da orelha pude ver a face do cão, do diabo, do mal! Quando no alto da montanha próximo a cidade de Nablus o representante de uma comunidade de Judeus disse que “Deus reconhece os seus através do formato da orelha”. Lembrei que na época das cruzadas, por ordem do Papa à época, o seu comandante na luta contra os cátaros, ordenou que matassem a todos que Deus saberia reconhecer os seus, uma maneira hipócrita de se eximir da culpa do massacre. Na montanha do lado território Palestino cercado, percebi que se trava sim de um Apartheid e que segundo eles, todos nós que não tínhamos a orelha escolhida éramos a escoria da humanidade e por isso uma limpeza étnica pode ser efetuada para com os Palestinos! Descobri naquele momento que realmente existia diferença entre nós, ou seja, me senti melhor do que ele, do que eles, pois sufoquei meu ódio e o transformei em letras e as letras escrevem o que vi e ouvi!

Meninos eu vi! E fui recebido por várias autoridades Palestinas, representantes de várias cidades. Eu e os amigos que me acompanhavam fomos recebidos pela governadora de Ramallah, Leila Ghanan e ao escutar suas palavras e perceber a força de seu olhar, a energia de suas palavras soube o que é liderança! E liderança é o que não falta na Palestina, o poderoso exército sionista mata um e ao mesmo tempo nascem mil e a resistência persiste.

Meninos eu vi! E senti uma profunda emoção quando fui convidado junto com meus amigos a colocarmos uma coroa de flores junto ao tumulo do líder Palestino Yasser Arafat. Naquele momento me senti fazendo parte de uma página importante da história da humanidade e lembrei das conversas que tinha com meu pai, principalmente sobre a morte do líder Palestino. Meu pai sempre defendeu a tese de que ele havia sido assassinado. Meu pai sabia das coisas! No mausoléu em que se encontra o símbolo do povo Palestino, seu corpo, após as honras em depositar a cora de flores, fiquei abaixado durante alguns minutos e enviei a minha oração em forma de energia, as melhores energias para o povo Palestino, para Arafat e para meu Pai. Agradeci ao último pela honra em ser seu filho, ao segundo pela honra de poder lhe prestar tamanha homenagem! Ao povo Palestino por me receber em sua terra, em sua casa e por me chamarem de amigo! O neguinho oriundo de Canguçu não deixou por menos, apenas levei a sério a máxima que aprendi com um amigo: “Estudo, eis tudo!”.

Meninos eu vi! Em uma praça na cidade de Ramallah a estatua do líder negro, presidente da África do Sul, Nelson Mandela. A gigantesca e imponente estátua de Madiba em plena praça pública de Ramallah, como não poderia deixar de ser, mostra um Mandela sereno, braço direito erguido, punho fechado e a expressão de serenidade no rosto de quem sabe que continua inspirando um povo a lutar por sua liberdade. A estátua foi um presente do governo da África do Sul ao povo Palestino. Eu me aproximei de Mandela para tirar uma foto, fiz o mesmo gesto de braço erguido e punho serrado, uma onda de energia percorreu meu corpo e juro ter escutado a voz calma do líder negro sul-africano a dizer: “sabemos muito bem que nossa liberdade é incompleta sem a liberdade do povo Palestino!

Meninos eu vi! Eu vi e senti a hospitalidade do povo Palestino, no gesto de carinho de cada um que nos acolheu, alimentou, guiou, amparou e desejou-nos felicidade. Lembro da jornalista Palestina que abriu sua casa sem ter o menor conhecimento de quem éramos. Nos ofereceu água, suco, café, chá, refrigerantes, uma ótima e esclarecedora aula sobre o que é viver em uma cidade cercada pelas tropas israelenses. Muna é seu nome! Ao ser questionada porque fazia o que estava fazendo, ou seja, nos tratar tão bem. Ela respondeu que ela fazia parte do povo Palestino e o povo Palestino era por natureza solidário! Um povo portador de uma solidariedade exageradamente grande e que: “na sua casa ela receberia da mesma maneira até mesmo os Judeus, desde que eles respeitassem sua família e sua casa!” e acrescento eu, a casa de Muna é toda a Palestina! E a Palestina dever ser livre do rio ao mar!

Meninos eu vi! E escutei pessoas, homens, mulheres e crianças! Escutei a mulher Palestina nos contar que quando estava grávida de oito meses foi cercada por soldados israelenses e espancada até cair ao solo. No solo recebeu chutes em seu ventre até se esvair em sangue e antes de desmaiar escutou um dos soldados proferir: “menos um!”…, escutei o ex-prisioneiro, anos preso em celas israelense desabafar de tal maneira que emocionou todos que o escutavam. Finalizou sua fala olhando diretamente para minha pessoa, olhar profundamente penetrante e disse: “Nunca falei dessa maneira! Nunca havia me aberto tanto sobre meus trinta anos preso”. Trinta anos preso e eu senti no seu olhar a dor que aquele homem carregava e achei ser um fardo demasiadamente pesado para um só ser humano carregar. Ele dividiu sua dor com todos nós que estávamos naquele momento naquele local e agora eu divido com vocês, pois descobri se tratar de uma grande mentira a máxima que diz que Deus não nos dá um fardo maior que possamos carregar. A verdade é que Deus não dá fardo algum, quem os cria e distribui somos nós mesmos que ainda estamos distantes de sermos chamados de seres humanos! Espero que essa divisão de responsabilidade alivie um pouco a dor que ele carrega!

Meninos eu vi! Eu vi e escutei o silêncio mais inexplicável do mundo, o de um pai que foi conhecer seus filhos na prisão! Quando foi preso um dos filhos era bebê de colo e o outro ainda estava no ventre da mãe. Após 27 anos preso seus filhos foram ter com ele na prisão, não na condição de visitantes, mas sim de presos por lutarem pela libertação da Palestina do apartheid exercido por ‘israel’. Ele nos contou que haviam mais de 400 Palestinos encarcerados no presídio e quando os filhos foram trazidos para dividir a cela com ele o silêncio era tão grande que chegava fazer barulho em sua cabeça, mas se um fio de cabelo caísse ao chão seria escutado por todos! Muito antes de abraçar os filhos ele desmaiou!

Meninos eu vi! Eu vi e escutei o casal em que ela não pode viver em Jerusalém e ele não pode viver na Palestina, eles têm duas filhas, a que nasceu na Cisjordânia não pode estar com o pai em Jerusalém. A outra que tem papéis que lhe permite trabalhar em Jerusalém não pode ficar muito tempo na Cisjordânia. O que acontece com essa família acontece com metade dos filhos dos Palestinos. Muito mais que um muro os separa!

Sempre finalizava minha conversa com os Palestinos com uma pergunta final. O que os motivava a sair da cama todas as manhãs e continuar vivendo? As respostas em sua esmagadora maioria sempre foi a mesma: “trabalhar e lutar para ver a Palestina, para ver o nosso povo livre do apartheid e com liberdade para circularmos do rio ao mar sem sermos alvo de tiros, checkpoints e humilhações de todos os tipos!”.

Meninos eu vi! Eu vi o “Black or White” e não se tratava de Michael Jackson cantando e sim as pretas e as brancas caixas de água sobre as residências, sobre os prédios, pois a água mesmo estando em solo Palestino é controlada por ‘israel’ e apenas uma vez por semana, sem dia certo, é liberada. Isso quando não há manifestações, pois dependendo da vontade israelense a água pode ser cortada por semanas. Na Palestina eu aprendi a tomar banho com o mínimo possível de água, pois a água é mais preciosa que dinheiro!

Eu vi a arte imitar à vida, ou à vida imitar a arte ao constatar o que já sabia, ou seja, a realidade apresentada no filme “Elysium” estrelado por Wagner Moura não se limitava apenas ao cinema e muito menos ao espaço sideral. Elysium, assim resolvi chamar os assentamentos israelenses em terras Palestinas. Isso ficou bem claro para mim quando visitei a morada de um Beduíno. Ao lado de sua tenda ele me ofereceu chá e me mostrou até onde ele, sua família e seus animais podiam andar dentro de sua propriedade que havia sido drasticamente reduzida, não por uma cerca e sim pelo alcance de uma bala disparada por um rifle do gigantesco assentamento “Elysium” israelense que delimitava seu território. A desproporcionalidade somente será entendida se compararmos com o filme em questão, com a diferença que o amigo beduíno não vislumbra um Wagner Moura ou um Matt Damon chegando para salvar a todos no final! Enquanto eu me indignava com o que observava, o amigo beduíno me explicava sobre a vida e seu sentido…

Meninos eu vi! Eu via a Palestina negra na terra em que nasceu o messias branco de olhos azuis, eis o primeiro grande milagre! E sim, eu estou sendo irônico, algo que sei fazer muito bem quando quero fazer alguém refletir, você que está me dando o prazer de me ler, por exemplo! A população de Palestinos negros existe, principalmente em Jericó a cidade mais antiga do mundo, hoje cidade irmã de Foz do Iguaçu!

Meninos eu vi! Eu vi os soldados israelenses fechar a cidade de Beitunia na Cisjordânia após um carro ter explodido ao passar sobre uma mina terrestre. Um soldado israelense do sexo feminino morreu na explosão e outros dois ocupantes ficaram feridos. O fechamento da cidade causou caos à população. Ficamos mais de duas horas parados na estrada sem o carro poder avançar devido ao bloqueio dos soldados israelenses.

Ao conseguir emprestado um banheiro em uma loja próxima para poder urinar em minutos fui sacado de dentro da loja sobre a mira de fuzil israelense! Me trataram com educação, ríspida e formal educação após verificarem meu passaporte e terem certeza que eu não era um Palestino. Mal sabiam eles que no coração eu já sou palestino há tempos. Se eu tive medo? Na hora não, mas depois que tudo passou eu senti muito medo, mas acredito que nem um porcento do que é sentido pelos Palestinos no dia a dia, principalmente agora em Gaza.

 No lado de fora, após sair da loja escoltado pelos soldados os árabes e Palestinos, jornalistas inclusive, não foram tratados da mesma maneira, foram colocados há uma determinada distância. Eu, meus amigos e os jornalistas de outros países podemos ficar em um local mais próximo, não sem antes sermos avisados se caso nos aproximássemos dos blindados eles tinham ordem de atirar.

Nesse mesmo local eu vi e temi por um pai acompanhado por duas meninas com uniforme escolar enfrentar os soldados para passar pelo bloqueio e ir além, sua determinação causou susto em todos que observavam. Ele dialogou e passou! Alguém traduziu para mim a fala de um motorista Palestino: “Estamos acostumados com isso!”.

Estamos acostumados com isso, impossível acostumar com a opressão em sua porta, em sua vida há 75 anos! Eu não chamo isso de costume e sim de resiliência! Palestino é um povo resiliente!

Meninos eu vi! Eu vi e senti o medo de sair do cerco israelense através da montanha, pois escutávamos tiros e explosões em determinada parte da cidade. Saímos por uma estrada estreita no alto da montanha, poeira à frente devido aos carros que fizeram o mesmo e precipício de ambos os lados. Eu pedia para o nosso motorista, chamado carinhosamente de “correria”, que diminuísse a velocidade ou parasse o carro, “stop correria”! O apelido já diz tudo, certo? Depois percebi por sua explicação que ele não poderia parar pois se o fizesse o carro de trás certamente bateria em nós e essa crônica não teria sido escrita, essas histórias jamais teriam sido relatadas. “Correria” casou-se recentemente e nos enviou convite para seu casamento. Não pude ir por motivos óbvios, mas desejei e continuo desejando as melhores energias para ele e sua família! Cada vez mais vai precisar.

Meninos eu vi! Eu vi o mar morto! E o sol escaldante, um simples toque no chão queimava a mão ou o pé. Eu tentei boiar no mar morto e fiquei tão salgado quanto carne de churrasco. Eu negro que sou, fiquei mais torrado, queimado e salgado! Uma sensação indescritível. O mar morto está em terras Palestinas, mas todo o comercio turístico em torno dele é explorado por empresas israelenses.

Meninos eu vi! Eu vi e estive na cidade de Belém, a cidade onde nasceu Jesus Cristo. Entrei na Igreja da Natividad e observei os católicos professando sua fé! Mesmo diante da importância religiosa da cidade o que me chamou mais atenção e chama da maioria das pessoas que visitam a cidade, é a parte do muro da segregação, o muro da vergonha, que cerca a cidade de Belém.

O muro é um painel grafitado a céu aberto! Uma maneira de reivindicar ao mundo por uma Palestina Livre! Os grafites dos maiores grafiteiros do mundo estão a mostrar de maneira forte e direta o apartheid israelense para com os Palestinos. Os grafites do ativista político Banksy estão no muro, a menina soltando o balão em forma de coração e o jovem ativista, com o lenço cobrindo o rosto e se preparando para arremessar um bouquê de flores. Ambos os grafites fazem pensar.

Algo ainda está muito errado com a humanidade, pois o muro é a cruz do presente que crucifica milhões de pessoas. Não rezei na igreja da Natividad, pois senti indignação, mas chorei diante do muro grafitado. Me perdoem ou não os amigos e inimigos que acreditam em alguma divindade, mas não sou hipócrita e estou nem aí para o que vocês pensam de mim e de minha atitude, mas somente de reza não vamos salvar os Palestinos da crueldade em que sobrevivem.

Junto ao muro em Belém eu vi o checkpoint de Belém, o temível checkpoint 300 que o Palestino que tem permissão para trabalhar em Jerusalém tem que comprovar diariamente no seu caminho para o trabalho que é Palestino e que não nasceu em “Netuno”, como diz a canção “Mojado” do cantor guatemalteco Ricardo Arjona. Neste local, escutamos um som peculiar, um som que comprova o roubo dos direitos Palestinos. O som da catraca que os Palestinos se sujeitam a passar diariamente para poderem acessar ao trabalho. um som que conforme vai passando os segundo, os minutos, ecoa dentro de nossa cabeça e passa a ser dolorosamente ensurdecedor e triste!

Meninos eu vi! Eu vi o céu da Palestina e conforme disse minha amiga Sarah Atari: “o céu mais bonito que já vi na minha vida!”, Sarah, que não tem permissão de visitar sua Palestina amada, não sabe que a noite as estrelas podem ser facilmente confundidas com drones. Eu que já fui um romântico que ficava “olhando o céu de madrugada, sonhando abraçado a namorada…”, agora sei muito bem diferenciar drones, aviões e estrelas.

No local que ficamos hospedados, em uma noite quente, os dias e as noites sempre foram quentes em todos os sentidos durante o tempo que ficamos na Palestina, resolvemos fazer um churrasco na laje! Compramos carne, carvão, improvisamos uma churrasqueira e enquanto a carne assava, usamos baldes como tambor e calmamente o samba foi ganhando voz. E a batucada e a cantoria, desafinada, é claro somente parou quando nosso anfitrião chamou atenção para uma luz que piscava sobre nossas cabeças há uma determinada altura. Da laje que estávamos avistávamos “Elysium”, certamente o drone veio de lá! Ousamos fazer um churrasco na laje com direito a pagode e samba desafinado e mal cantado em plena Palestina ocupada! Vigiados por drones e espero que tenham gostado de nosso canto de protesto!

Mesmo sabendo que talvez exista mais drones que estrelas no céu da Palestina sitiada, o amor sempre está no ar, pois todos os dias víamos muitos casamentos, pois eles fazem carreatas com os noivos e isso é lindo de ver! O perigo maior nunca foi o amor e sim de ficar enamorados, abraçados, à noite olhando as estrelas e ser surpreendidos com drones enviando misseis e bombas!

Meninos eu vi! Eu via a coragem e a tristeza de braços dados! A coragem dos velhos comerciantes da parte antiga da cidade de Hebrom, resistindo ao ataque diário dos israelenses que depositam o lixo diante de seus comércios. Um local isolado, quase que vazio, pois a maioria dos comerciantes foi expulso. Um lugar altamente vigiado. Eu vi a tristeza nos olhos dos comerciantes ao efetuarem descontos substanciosos em seus produtos para que você compre, pois de alguma forma a comida tem que ser comprada e levada para casa.

Meninos eu vi! Eu vi dois corpos franzinos de meninas mulheres, estrangeiras à Palestina. Elas vêm de seus países com a missão de caminhar através da montanha junto a crianças Palestinas que desejam chegar até a escola para estudar. O único problema que no caminho da escola foi colocado um “Elysium” de colonos israelenses que jogam pedras nas crianças a caminho da escola. Mas, quando elas estão acompanhadas de pessoas estrangeiras os moradores de Elysium não atacam. Estas meninas nos contaram o quanto é difícil o trabalho que fazem, mas também vi nos olhos delas, tão jovens, tão desarmadas, munidas de solidariedade, amizade e amor. Eu as admirei e aplaudi com lágrimas nos olhos!

Não muito distante da cidade de Yata, na península de Hebron, nas montanhas desertas, eu vi a vida retornar ao passado distante e me transportei para época das cavernas, para os tempos em que os nômades habitavam em cavernas. Os habitantes de hoje nas cavernas são famílias Palestinas! Estes Palestinos ao terem suas casas destruídas pelo governo israelense, somente lhes resta uma saída, ou melhor, uma entrada, ir morar em cavernas nas montanhas. Ainda vivemos na era das cavernas! Eu vi, meninos eu vi as cavernas, eu estive lá eu adentrei nelas e vi a estrutura na qual dezenas de pessoas sobrevivem. As Nações Unidas, que em minha nada modesta opinião, há muito tempo possui apenas caráter decorativo, contribui com painéis fotovoltaicos para que possam ter energia elétrica.

O homem é realmente o lobo do homem, destroem o planeta em que vivem e destroem o ser humano que está ao seu lado, por inúmeras razões.

Meninos eu vi! Vi e ouvi a voz forte do jovem poeta Palestino, estudante, preso três vezes pelo governo israelense devido ao fato de ter ousado declamar poesia enquanto a casa da família era destruída! A poesia desafiou um dos maiores exércitos do mundo e venceu, pois, ele foi muito além do acreditar que as flores podem vencer o canhão. Ele usou a poesia contra a violência um antidoto para sua própria dor.

Antes de me despedir do jovem poeta, lhe perguntei se gostaria de sair da Palestina e ir estudar em outro país, Brasil por exemplo? Sua resposta foi rápida e direta: “Não! minha luta por um futuro melhor é aqui e agora!”.

Meninos eu vi! Eu vi os números corretamente coletados, estudados e apresentados da barbárie que acontece com o povo Palestino.: número de mortos, casas destruídas, terras confiscadas, etc. eu vi as imagens da destruição de uma escola Palestina por parte do governo israelense e a reconstrução da mesma escola através da união do povo Palestino em apenas 12 horas. A escola foi reconstruída com cinco salas! A união de um povo que sabe que a educação é a saída!

Na hora de me despedir da Palestina o fiz com saudade e amizade! Mas ainda tínhamos que sair por um aeroporto israelense. Dois amigos passaram momentos difíceis com interrogatórios durante horas em uma sala do aeroporto de Tel Aviv, o checkpoint final! Momentos de tensão, coisa que somente assistimos em filme, tensão para eles ao serem interrogados e para nós que não sabíamos até quando poderíamos esperar. O material coletado entre depoimentos, fotos e filmagens estava em nosso poder, pararam a dupla errada! Somente me senti livre quando o avião correu na pista e decolou nos tirando do solo Palestino ocupado! Eis o voo da liberdade!

Meninos eu vi! Eu vi gente rica e gente pobre, miséria também, nada muito diferente de qualquer outro país que vive a margem deste mundo capitalista. Vi políticos de todos os tipos, nada muito diferente da sociologia política que se apresenta no mundo em que vivemos, esse mundo globalizado.

Meninos eu não vi! Eu não vi Gaza, pois a faixa de terra Palestina é cercada por terra e mar pelos israelenses há 16 anos. Dois milhões e trezentos mil Palestinos vivem em Gaza. Há 16 anos nada entra ou sai de Gaza sem a permissão do exército israelense. Um grande número de pessoas vivendo em um território de 365m² o equivalente matematicamente a um quarto da cidade de São Paulo. Gaza é a maior prisão a céu aberto existente atualmente no planeta terra!

Meninos eu não vi! Eu não vi o exército da Palestina, porque a Palestina não tem exército, pois nem país é considerada pelas Nações Unidas. A ONU, em 17 de dezembro de 2012 designou que todos os documentos oficiais das Nações Unidas devem se referir a Palestina como “Estado da Palestina”. Se não é um país, se não tem exército, nunca foi e nunca será uma guerra e sim uma ocupação, massacrante ocupação.

Diante de tudo que vi, do que não vi e do que senti na Palestina ocupada, passei a entender e admirar o poeta por saber interpretar o sentimento profundo de seu povo. Um povo que luta, que resiste e que sofre de um mal que realmente não tem cura: a esperança! A esperança que assim escreveu o poeta Mahmoud Darwish: “Esperança de libertação e de independência. Esperança de uma vida normal, na qual não seremos nem heróis nem vítimas. Esperança de ver nossas crianças irem à escola sem riscos. Para uma mulher grávida, esperança de dar à luz um bebê vivo, num hospital, e não uma criança morta diante de um posto de controle militar. Esperança de que nossos poetas verão a beleza da cor vermelha nas rosas e não no sangue. Esperança de que esta terra reencontrará seu nome original: terra de amor e de paz. Obrigado por carregar conosco o fardo dessa esperança.”.

A esperança hoje em Gaza é de que no segundo seguinte a existência nessa dimensão, nessa vida não acabe! Pois a limpeza étnica ganhou terreno para acontecer com a desculpa de que quem atacou primeiro foi o Hamas. E Darwish previu esse acontecimento quando escreveu os versos: “Não despertem a vítima ou ela irá gritar. E quem a despertou? Quem foi o responsável? Um vento repentino que sopra e levanta os mortos”.

Diante de tanta desinformação sobre o que acontece hoje na faixa de Gaza, na Palestina ocupada, tudo que lá vi e senti e que lhes contei é minha mínima contribuição em prol de que se conheça a verdade do que acontece com o povo Palestino…e se alguém duvidar do que eu contei, eu Waldson de Almeida Dias, vou tornar prudente e dizer: MENINOS EU VI!!!

Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu.


Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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