Garantir comida no prato é drama para famílias em periferias de Foz do Iguaçu

Ovo substitui a carne, e solidariedade atenua dificuldades; extrema pobreza cresceu 24% na cidade em 2022.

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Meio-dia de terça-feira, 25. Na moradia precária que fica na região do Porto Meira, em Foz do Iguaçu, a família de Regina Gomes (36) se prepara para o almoço. No prato, nada a mais do que arroz e ovo que ela, o marido e três filhos pequenos têm para a refeição. A busca para garantir comida é diária e reflete a realidade social. Nas comunidades populares, a solidariedade tenta fazer frente à carestia e atenuar o quadro de dificuldades.

A inflação castiga os mais pobres e vulneráveis. O preços dos alimentos fez o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) ter elevação de 0,87% no mês passado, maior resultado para setembro desde 1995 (1,17%), durante o Plano Real. Itens básicos do dia a dia, arroz e óleo foram alguns dos violões. Nos últimos 12 meses, o acumulado da prévia da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) somou 6,85% em outubro, após dois meses de queda. Os dados são do governamental Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Apuração exclusiva do H2FOZ mostra que o total de famílias em situação de extrema pobreza em Foz do Iguaçu cresceu 24% só entre janeiro e agosto deste ano, com base nos dados do Cadastro Único (CadÚnico), que insere beneficiários em programas sociais. São 17.383 famílias, cerca de 39 mil iguaçuenses, sobrevivendo com renda per capita de R$ 105 ao mês. Na pobreza, com recursos de até R$ 210 mensais por pessoa, há 6.244 núcleos familiares.

Leia também: Extrema pobreza atinge mais de 17 mil famílias em Foz do Iguaçu e cresce 24% somente em 2022

A família de Regina dá rosto e humaniza a frieza das estatísticas. “Quem menos tem mais ajuda”, exalta, explicando que na volta da escola, onde buscou os filhos, ganhou salgados e uma porção de café. Os ovos servidos no almoço também são de doação; foram três dúzias recebidas há poucos dias. “Carne faz mais de uma semana que não comemos, e foi coxa e sobrecoxa de frango”, relata ela, que reparte o que tem com os vizinhos.

Regina: “Quem menos tem mais ajuda” – Foto: Marcos Labanca

Regina está sem trabalhar fora para cuidar de Bianca, Isac e Heloá, os filhos de 6, 5 e 4 anos. Seu marido, há dois dias, conseguiu voltar a fazer bicos como servente de pedreiro, tirando cerca de R$ 90 por diária. “Antes da pandemia, uma cesta pronta custava R$ 200, que não sai hoje por menos que R$ 500. Mas tenho esperança que as coisas vão melhorar”, conclui.

“Milagre” do acesso à comida

Na Vila Resistência 2, uma das mais novas ocupações no município, na região da Gleba Guarani, do outro lado da cidade, Maicon Douglas da Silva (29) divide com a esposa, Ana Cláudia dos Santos (32), a tarefa de manter alimentados os cinco filhos, de 2 a 14 anos. “É um milagre na minha vida trazer comida para casa todos os dias”, pontua, antecipando as dificuldades, o profissional da construção civil, que trabalha por dia.

“Compra do mês não se faz mais”, diz Maicon Douglas, pai de 5 filhos – Foto: Marcos Labanca

“Compra do mês não se faz mais. A gente faz um cálculo e busca no mercado o básico. Carne comemos uma vez por mês, quando se pega dinheiro e nos damos esse ‘luxo’”, conta. A renda é complementada com benefícios sociais, que ele teme perder pós-eleição. “O dinheiro só dá para comida, não consigo fazer mais nada”, expõe, enfatizando que foi para a ocupação para fugir do aluguel, o qual não podia mais pagar.

A generosa Andreia Paula Cordeiro (30) mora com marido – que agora encontrou trabalho de pedreiro, por dia – e os quatro filhos: Davi Luiz (1 ano e 9 meses), Raissa (4), Isabelly (10) e Guilherme (15). A pequena casa na Ocupação Bubas ainda abriga a irmã e duas sobrinhas, todas adolescentes, cuidadas por ela. O dinheiro que recebe como auxílio não dá para comprar o gás e todos alimentos, apenas “o grosso”.

O sustento da família é possível com a solidariedade. “A comunidade, os moradores, ajudam. É um apoio principalmente com leite e fralda para os pequenos”, revela à reportagem. “O dinheiro não está dando para nada, tudo subiu no mercado. Um pacote de arroz tá no custo que tá e não dá para uma semana. Mas tenho muita esperança na baixa dos preços”, espera Andreia.

Para Regina, “O dinheiro não está dando para nada, tudo subiu no mercado” – Foto: Marcos Labanca

Liderança comunitária no Bubas, Ronaldo Soares explica que, além da ajuda mútua entre os moradores, todo mês a associação recebe alimentos produzidos em assentamentos da região, e empresários iguaçuenses doam cestas básicas. “Dividimos tudo entre as famílias que temos cadastradas, dando prioridade para quem mais necessita. E a necessidade não é pouca”, salienta.

Mãe solo

Mãe solo de Heloíse (3 meses), Aylla (4) e Ester (6), Edicleusa de Souza também reclama do custo da comida, do leite em pó e dos itens necessários para levar as crianças à escola. “Vai ver como estão os preços no mercado”, sugere. E afirma conseguir colocar os mantimentos no prato porque tem a ajuda da aposentadoria da mãe, dona Maria do Socorro (71), que mora com ela. Fraldas, roupas e calçados, ganha de vizinhos.

Na casa de Edicleusa, o ovo substitui a carne, consumida uma vez por mês – Foto: Marcos Labanca

“A gente compra mais ovo para mistura. Carne só uma vez por mês e olhe lá”, narra, dizendo que em suas contas os preços aumentaram demasiadamente o período pandêmico. “Tenho que ir ao médico na semana que vem e já estou preocupada agora como comprar remédios. O que recebemos não dá para nada, e está cada vez pior. Nossa sorte é que o povo aqui [moradores] ajuda muito e sem jogar na cara”, realça Edicleusa, que tem 35 anos.

No tema

Na próxima reportagem, o H2FOZ abordará programas sociais mantidos em Foz do Iguaçu, número de beneficiários e recursos na área.

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3 Comentários
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