A vida de Roberto Ribas Lange, por Teresa Urban

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Roberto Lange morreu nas águas do rio Iguaçu, no dia 26 de março de 1993. Para os Guaranis, Iguaçu é Agua Grande: um rio poderoso que vem do alto das terras frias de Curitiba e desenha, dia e noite, o magnífico espetáculo das Cataratas. Para Lange, o Iguaçu era uma paixão que começava na Reserva Biológica da ADEA, em Curitiba e se estendia até o Parque Nacional de Iguaçu.

Teresa Urban

 

Roberto Lange morreu nas águas do rio Iguaçu, no dia 26 de março de 1993. Para os Guaranis, Iguaçu é Agua Grande: um rio poderoso que vem do alto das terras frias de Curitiba e desenha, dia e noite, o magnífico espetáculo das Cataratas. Para Lange, o Iguaçu era uma paixão que começava na Reserva Biológica da ADEA, em Curitiba e se estendia até o Parque Nacional de Iguaçu.

Lange era biólogo, tinha 44 anos – dos quais bem mais de vinte dedicados com exclusividade à radical defesa do meio ambiente – e estava trabalhando na elaboração do Estudo de Impacto Ambiental do projeto da hidrelétrica de Caxias. Desse trabalho tirava sustento e sabedoria: a cada volta do campo trazia novas e precisas informações sobre a riqueza dos ambientes regionais, as ameaças e as possibilidades de proteção.

O firme entrelaçamento da atividade profissional com a condição de ambientalista foi sempre sua marca registrada. Assim, organizou o Adeus às Sete Quedas, afogadas pelo reservatório de Itaipu, trabalhou no resgate da fauna da área inundada, foi funcionário do antigo Instituto de Terras e Cartografia, pregou a criação do Parque do Marumbi, fechou a Estrada do Colono, no Parque Nacional de Iguaçu, tombou a ilha de Superagui como Curador do Patrimônio Natural e como membro do Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico foi o relator do tombamento da Serra do Mar.

Essa prática dupla construiu uma aguda percepção das questões do meio ambiente como matéria do direito coletivo. Como representante da Região Sul participou ativamente do CONAMA, entre 1983 e 1989, onde foi defensor intransigente desse princípio na elaboração das normas do CONAMA, nos debates das constituintes Federal e Estadual, na contestação do Programa Nossa Natureza.

Lange era o mais jovem da velha-guarda ambientalista. Foi um dos fundadores da Associação de Defesa e Educação Ambiental em 1972, quando Estocolmo ainda era assunto de pouquíssimos eleitos e depois espalhou pelo Paraná dezenas de Adeas, que formaram uma geração de ambientalistas. Era o tempo em que as ONGs eram chamadas de associações sem fins lucrativos e os militares desgovernavam o país. O grande Quarup de Adeus às Sete Quedas, que reuniu milhares de jovens para chorar a natureza derrotada pela mão autoritária dos governantes, mostrou, pela primeira vez, que a defesa dos direitos coletivos afrontava, inevitavelmente, os interesses individuais, mesmo sob a proteção de uma ditadura militar.

Lange aprendeu na prática essa lição, ao contestar na Justiça a existência de uma estrada em plena zona intangível do Parque Nacional de Iguaçu. Sofreu ameaças de toda a sorte e fechou, quase com as próprias mãos, o trecho de 18 quilômetros que ameaçava a integridade da floresta. Fé inabalável nas leis, disciplinado na interpretação dos direitos do cidadão, elaborou com extrema competência a lei dos seus sonhos – o projeto de Lei Estadual de Meio Ambiente, que permanece até hoje em alguma misteriosa e burocrática gaveta.

De tanto fazer, Lange parecia, às vezes, um exausto Quixote que não aceitava os novos métodos de organização e luta. Decifrava os novos códigos, mas fugia dos recém-chegados à causa ambiental, brandindo argumentos irrefutáveis. Quixote sem sutilezas, brandia o tacape da verdade contra os enormes moinhos de vento contruídos em nome da ecologia.

Nos últimos tempos, Lange carregava dois grandes sentimentos, um de tristeza, outro de alegria. Ficava muito triste com a miséria crescente do país: “encho os bolsos de trocado, saio para a rua e nunca é suficiente o que levo, tem muito mais famintos e pobres do que posso ajudar”. Nesses momentos, tinha nos olhos uma certa supresa com sua própria aflição, que invadia a alma e freiava a ironia.

Nas margens do Iguaçu ele encontrava a paz e a alegria que a cidade não mais conferia. Os pesquisadores que estavam com ele na última viagem, contam que nunca viram Lange tão feliz. Parecia o anfitrião de uma grande festa que a natureza reservava, nesse canto do Paraná, a uns poucos privilegiados. Assim, muito à vontade, entrou no rio para uma última visita, antes do retorno.

(Teresa Urban é jornalista e escritora)

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