Paulo Bogler
Fotos: Marcos Labanca
A construção da Ponte Tancredo Neves foi rápida, sem acidentes e com um ambiente amistoso para os trabalhadores, revelam operários que estiraram a via entre o Brasil e a Argentina, integrando Foz do Iguaçu e uerto Iguazú. O trabalho teve início em 13 de janeiro de 1983, quando os presidentes João Baptista Figueiredo e Reynaldo Bignone, generalato da ditadura militar dos dois países, trouxeram a público a placa inaugural da obra.
Se no plano doméstico ambos os governantes equilibravam-se em meio ao furor dos povos que pediam o fim dos regimes de coturno, a diplomacia das duas nações aparentava superar o mal-estar provocado pela construção da Usina de Itaipu, anos antes, que balançou a geopolítica da região. O triunfo da inauguração, contudo, coube a José Sarney e Raúl Alfonsin, em 29 de novembro de 1985, dois anos e 11 meses depois de assentado o concreto inicial.
Antonio Blange: o primeiro a cruzar a ponte
O construtor Antonio Blange, de 73 anos, após trabalhar em cinco barragens, dispôs de sua experiência à obragem da ponte, logo depois da instalação dos pilares submersos na margem brasileira, feita por mergulhadores e técnicos que vieram do Rio de Janeiro, contou ele. Armador contratado pela Sobrenco, o operário atuou na ancoragem dos cabos protendidos, aço de alta resistência, vital para a sustentação do lance de concreto sobre o rio.
“Quando foi concretado o último lastro, percorri a construção de carro, fui o primeiro a passar pela ponte. |
A pavimentação sobre as águas do Iguaçu foi simultânea, a partir das duas margens do rio, com as equipes brasileira e argentina encontrando-se no meio da ponte. O momento de união das duas pontas foi um pouco difícil, devido à oscilação da estrutura, recordou Blange, que cruzou a pista assim que aconteceu a unificação da obra. Eu tinha uma Brasília amarela, igual à dos Mamonas Assassinas. Quando foi concretado o último lastro, percorri a construção de carro, fui o primeiro a passar pela ponte.
O seu Antonio Blange lembra que o ambiente de trabalho era intenso, mas de muito companheirismo. Nós tínhamos hora para entrar, mas não sabíamos o horário de sair. Todo o serviço pesado foi realizado com o pessoal da cidade, explicou. Sobre a segurança, o experiente construtor admira-se pela ausência de sinistros. Não teve uma martelada no dedo. Não sei de nenhum caso de acidente. A chefia tinha muita experiência, e o pessoal era dedicado, revelou.
Trabalho noite e dia
Argentino, brasileiro ou paraguaio? Mesclado, responde à pergunta sobre a sua origem Osvaldo Araújo, de 70 anos, sem disfarçar o sotaque gutural da fronteira, mistura de português, castelhano e guarani. Conhecido em todo o Porto Meira como Corrientes, sua casa guarda fotos, materiais e boas lembranças da obra. Ainda hoje, vai de bicicleta à fonte de água que verte na cabeceira da Ponte Tancredo Neves, lugar de encontro do velho operário e suas reminiscências.
No começo, Araújo desconfiava da obra, chegando a duvidar da capacidade de sustentação da ponte. Fichado na Sobrenco, lembra que o salário compensava e o pagamento estava sempre em dia, chegando a comprar três terrenos com o dinheiro recebido. Trabalhei durante toda a obra. Era dia e noite, sem parar. A escala era dividida em turnos, não dava para pensar em nada além do trabalho e da graninha, revelou seu Corrientes.
Operário-pescador morre no Iguaçu
O operário Osvaldo Araújo atuou nas áreas de montagem de painéis, carpintaria e maçarico. Depois de trabalhar dez anos na construção de Itaipu, diz que passou fácil no teste admissional. Tinha uns 600 na fila quando cheguei com a minha caixa de ferramentas às mãos para mostrar vontade. Como sabia tudo, passei na fumaça. O encarregado, chamado Chico, perguntou se tinha disponibilidade imediata. Já fiquei trabalhando, narrou.
Lembro do trabalho com emoção, às vezes choro. O que é que eu fiz? Ficava admirado enquanto molhava o concreto nos domingos |
O trabalhador da construção civil, hoje aposentado, afirma que houve uma morte ocorrida durante a obra. Foi um argentino. No almoço foi pescar, pois tinha muito peixe grande, como jaú. Ele se descuidou e caiu no rio. Nunca foi encontrado, contou. Seu Corrientes tem ciência da importância de seu feito. Lembro do trabalho com emoção, às vezes choro. O que é que eu fiz? Ficava admirado enquanto molhava o concreto da ponte nos domingos, rememora.
Osvaldo Araújo, o seo Corrientes, ajudou a construir uma ponte para comunicar lugares, pessoas e comércio. Mas até hoje não descobriu onde nasceu. Sabe que veio para o Porto Meira com 1 ano de idade. Órfão, foi criado por uma tia. Mais não sabe. Minha família andou pela Argentina e o Paraguai. Teve a guerra há um tempo atrás. Não sei ao certo onde nasci. Mas estou por aí, disse, abrindo a sonora gargalhada que sempre o acompanha.
Agradecimento a Francisco Insfran Ruivo.
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