Especuladores imobiliários têm vida mansa em Foz do Iguaçu

Eles não vendem, não doam e não constroem. E obrigam a cidade a se espalhar cada vez mais para a periferia.

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Foz do Iguaçu é uma cidade onde ainda parece que tudo está por fazer, em quase todas as áreas. Às vezes é falta de recursos. Às vezes é falta de planejamento. E às vezes é puro descaso (ou coisa pior).

É o caso dos chamados vazios urbanos, que engessam o desenvolvimento da cidade e fazem com que ela se espalhe cada vez para mais longe, obrigando o poder público a levar, de forma sempre mais onerosa, os serviços essenciais.

A Prefeitura sabe que esses terrenos desocupados estão nas mãos de meia dúzia de especuladores. Tanto que o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado Sustentável, de 2016, que vigora até 2026, tem até uma expressão bonita para os terrenos baldios: "reservas especulativas".

O plano aponta que, apenas num raio de cinco quilômetros da área central, quase um terço das propriedades são terrenos vazios, privados e municipais.

A área em questão é o quadrilátero formado pelas Avenidas JK, Jorge Schimmelpfeng, República Argentina e Paraná.

Nessa área central, estão "terrenos  vazios  que  receberam  infraestrutura  do  município, sem interesse de ocupação pelos proprietários, mantidos apenas com o propósito de valorização venal", diz o Plano Diretor.

Observe bem detalhes desta foto de Marcos Labanca. É a Avenida Pedro Basso, cuja duplicação foi paralisada. Veja que o movimento é grande apenas perto do Fórum. E que a área onde será duplicada passa por imensos vazios urbanos. Uma avenida a mais para a alegria da especulação. Duplicou, valor do terreno aumenta. Quem paga a conta?

Construções abandonadas

Há outro problema, tão ou mais visível do que os terrenos baldios: as construções abandonadas, seja lá por qual motivo. E aí entram propriedades particulares e de estatais como a Caixa Econômica Federal e os Correios, que largaram edificações à própria sorte.

Por que isso acontece em Foz do Iguaçu? Não há uma lei que coíba a especulação, que faça com que o dono de um terreno baldio ou de um prédio abandonado seja obrigado a fazer alguma coisa?

Prédio quase abandonado. Aparentemente, há uma família que cuida pra evitar a destruição. Foto Marcos Labanca
Na Avenida Costa e Silva, a uma quadra da rodoviária, o que um dia foi hotel hoje está assim. Um cenário para filme de terror. Foto Marcos Labanca
Mais um prédio abandonado, de uma época em que os preços dos imóveis despencaram e construtoras não quitaram seus financiamentos. Parece ser este o caso. Foto Marcos Labanca

Pior que existe. É lei municipal e está embasada no Estatuto da Cidade, de 2001,  que "estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental".

No caso de Foz, a Lei  Complementar 249/2015 "institui os instrumentos para o cumprimento  da  Função  Social da propriedade  urbana no  município de  Foz  do Iguaçu, que são: parcelamento, edificação   ou utilização compulsórios, IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamentos em títulos".

Na lei e no Plano Diretor

Está na lei, está no Plano Diretor do município. Em nome da "função social da propriedade urbana", a Prefeitura poderia utilizar instrumentos como o IPTU progressivo no tempo e até desapropriar com pagamento ao proprietário em títulos municipais.

E por que não se faz isso? Porque a lei (que veio tarde, é de 2015) ainda não foi regulamentada, cinco anos depois de publicada.

Puro descaso (ou coisa pior), porque quem se beneficia disso são os donos dos vazios urbanos e também aquilo que chamam de "máfia dos condomínios e loteamentos".

O que é o IPTU progressivo

Um grande baldio bem no centro. Ao lado, a Câmara Municipal (que mudou de lugar, agora, mas era ali naquele prédio azul ao fundo). Vereadores podem alegar que desconhecem o problema dos vazis urbanos e da especulação? Foto CDB

O Estatuto da Cidade permite ao município criar uma lei específica para área incluída no Plano Diretor, para exigir o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado.

Um dos meios para obrigar o proprietário de um terreno baldio a utilizá-lo ou vendê-lo é o IPTU progressivo no tempo, com o aumento da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

Hoje, o iguaçuense que tem uma casa ou apartamento paga de IPTU 1% do valor venal do imóvel; o proprietário de um terreno paga 2%.

No caso do IPTU progressivo, o proprietário de um terreno baldio em área nobre recebe um prazo da Prefeitura para construir ou vender. Em caso de não cumprimento, a Prefeitura aplicaria a alíquota de 4% no ano seguinte; e iria aumentar progressivamente até o máximo de 15%.
 
Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o município manteria a cobrança pela alíquota máxima até que o proprietário atendesse a determinação.

Há mais: depois de cinco anos de cobrança do IPTU progressivo a Prefeitura poderia proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

O que falta pra vigorar

Em entrevista à Rádio Cultura, em agosto do ano passado, o secretário da Fazenda, Ney Patrício, foi perguntado sobre os vazios urbanos e disse que o prefeito Chico Brasileiro iria utilizar o IPTU progressivo.

Mas, até o final de 2019, a lei não foi regulamentada. E, em ano de eleição, que prefeito poria a mão nesta cumbuca?

Enquanto isso, o especulador ganha mais um loooongo prazo para ver seu terreno valorizar-se cada vez mais, enquanto a população procura, lá no fim da periferia, um cantinho pra morar. E a Prefeitura tem que providenciar as mínimas condições pra que seja atendida com transporte, arruamento, luz, água, etc, etc.

Abandono

Pode uma empresa pública, em dificuldades financeiras, simplesmente abandonar um prédio? No Brasil, pode. Em Foz, mais ainda. A única coisa que o Correios fez foi colocar tapumes. Foto Marcos Labanca

Quanto aos edifícios abandonados, inacabados, que também se espalham por toda a cidade, os casos são diversos. Há os particulares, como um antigo hotel perto da rodoviária; há os públicos, como o prédio inacabado do Tribunal de Justiça; e há ainda os de estatais, como os da Caixa e Correios.

Este caso do prédio da Caixa, na Avenida JK, é até engraçado, como contou Ney Patrício na entrevista à Rádio Cultura. A única coisa que a Prefeitura  pode fazer, segundo ele, é exigir que sejam colocados tapumes, por exemplo, para impedir que vândalos destruam tudo, como aconteceu, por sinal.

O belo prédio da Caixa, que quase foi destruido por vândalos. Caixa reduziu o valor do leilão pra um terço do pedido orginal e não vendeu. Que tal doar pra Foz do Iguaçu fazer ali um centro cultural, como um pretendeu fazer a Unila? Foto Marcos Labanca

Mas a Caixa queria vender e fez várias tentativas. Na primeira delas, fez um leilão em que pediu mais de R$ 9 milhões. Nenhuma proposta. Baixou pela metade. Nada. No último leilão, o valor mínimo era de R$ 3,8 milhões. Nada. O prédio continua lá, cada vez mais deteriorado.

Talvez seja um alerta aos especuladores? Esperam, esperam pra pedir o máximo, e de repente o que têm vale bem menos do que sonham? Talvez não, porque especuladores são muito vivos.

Já os Correios, depois que o prédio sofreu vandalismo e por pressão da Prefeitura, colocou tapumes. Mas continua abandonado.

Há outros casos, segundo Ney Patrício, em que a Prefeitura fica de mãos amarradas porque são situações de litígio, entre herdeiros do proprietário ou até entre o agente financiador e a construtora, que não pagou o empréstimo e perdeu o imóvel. E o financiador deixou por isso mesmo, abandonado, enquanto tenta resolver a pendenga na Justiça.

Abandona e põe cadeado. A solução? Foto Marcos Labanca

E assim caminha Foz.

Fontes: Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado Sustentável e Portal Tributário

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