Gravidez de meninas e adolescentes no Paraguai é “fábrica de pobres”, diz a ONU

No Cone Sul, o Paraguai é o país onde há o maior índice de mulheres grávidas com menos de 19 anos de idade.

Um dos países mais conservadores do mundo, onde o governo proíbe ou interfere até mesmo na educação sexual integral em escolas públicas ou privadas, o Paraguai é também o que tem a maior taxa de nascimento de crianças filhas de meninas adolescentes no Cone Sul.

Segundo o assessor regional do Fundo de População das Nações Unidades, Federico Tobar, a gravidez de meninas e adolescentes, no Paraguai, é uma "fábrica de pobres", pelo impacto que provoca no desenvolvimento econômico e educacional no país.

Matéria da agência espanhola EFE, publicada na edição desta quarta-feira, 21, no jornal Última Hora, mostra que a gravidez precoce tem um custo estimado em US$ 136,5 milhões, ao que se somam os US$ 125 milhões perdidos com o desemprego dessas mães, os US$ 4,8 milhões que o Estado deixa de arrecadar e ainda os US$ 6,7 milhões de gastos em saúde para a mãe e o bebê.

Tendo como exemplo o ano de 2017, o Fundo constatou que houve 72 nascimentos a cada grupo de mil mulheres entre 15 e 19 anos.  

"O custo de oportunidade que representa a gravidez adolescente neste país é incrível", afirmou Tobar. "Todas essas mulheres e filhos vão permanecer debaixo da linha de pobreza e a sociedade em seu conjunto terá que fazer um esforço (maior). Vai frear o desenvolvimento", disse.

Dos 11.895 bebês nascidos vivos registrados em 2017 no Paraguai, 16,5% tinham como mães meninas entre 10 e 19 anos. Além do risco maior no parto, só metade dessas mães consegue terminar o ensino fundamental.

Isso afeta depois sua inserção no mercado de trabalho, onde o desemprego é maior entre mulheres que tiveram filhos ainda jovens. Os dados do Fundo da ONU mostram que as mulheres que tiveram filhos na adolescência têm 20% menos chance de conseguir emprego do que aquelas que foram mães na idade adulta.

Apesar de haver conhecimento geral sobre um problema como este, o assessor da ONU alertou que, apesar dos avanços, perpetuam-se os padrões, já que "muitos países não se convencem a respeito da necessidade de incorporar políticas proativas", onde se incluem a educação sexual integral e o acesso aos métodos anticonceptivos modernos.

Em relação à gravidez precoce, disse Tobar, há países onde "as netas repetem o comportamento das mães, das avós e das bisavós", e vivem como se estivessem no século XIX.

Adultos com crianças

A ministra da Criança e da Adolescência do Paraguai, Teresa Martínez, disse que no Paraguai são consideradas normais as "relações precoces" de meninas que, inclusive, convivem com homens adultos. "É um abuso, não é uma relação de casal", disse a ministra.

Ela reconheceu que "falta muito por fazer em matéria de prevenção de abuso e violência" contra as meninas e as mulheres.

Soluções e resistência

O Fundo de População das Nações Unidades recomenda algumas medidas básicas para diminuir a gravidez precoce no país (em qualquer país, na verdade): acesso a métodos anticonceptivos modernos de longa duração, educação sexual integral, melhora na comunicação e eliminação de tabus, assim como melhora nos protocolos para detectar abuso sexual.

Aí reside o problema do conservadorismo paraguaio. Enquanto o Ministério da Saúde faz esforços para diminuir a gravidez precoce, o Ministério da Educação proibiu um manual de educação sexual integral, voltado a docentes, por entender que o guia preconizava "a construção da identidade sexual em forma libertina".

O guia, lançado em novembro de 2018, com apoio da organização internacional sueca Diakonia, fala sobre formas de utilizar os preservativos de forma correta, sobre contágios por doenças de acordo com as práticas sexuais, aborda o planejamento familiar, como fazer o autocontrole para detectar o câncer de mama, sobre direitos humanos e violência, entre outros aspectos.

Em março deste ano, uma resolução assinada pelo ministro da Educação, Eduardo Petta, proibiu a utilização do guia e determinou o monitoramento em escolas públicas, privadas e subvencionadas de todo o país, por entender que o material "não respeita as capacidades do ciclo evolutivo, e nos conceitos utilizados prevalece a construção da identificação sexual em forma libertina e também subvaloriza os conceitos de feminilidade e masculinidade".

O Ministério da Educação (?) do Paraguai parece, então, concordar que é melhor ter meninas ignorantes, que possam ser utilizadas sexualmente por adultos, inclusive até mesmo seus parentes, do que deixar que os estudantes aprendam sobre sexualidade em sala de aula.

Taxa alta no Brasil

Embora inferior à taxa paraguaia, no Brasil, em 2018, havia 58,7 grávidas a cada grupo de mil mulheres na faixa entre 10 e 19 anos.

Observa-se no país uma tendência de queda na gravidez precoce, mas ainda assim o índice é superior à média das Américas (48,6 por mil). A redução, de qualquer forma, é atribuída à expansao do programa Saúde da Família, o maior acesso a métidos contraceptivos e ao programa Saúde na Escola, que oferece informação de educação em saúde.

Em 11 anos, a taxa de gravidez precoce diminuiu quase 20% no Brasil. Em 2010, por exemplo, nasceram no Brasil 661.290 bebês de mães com idades entre 10 e 19 anos. Em 2015, o número reduziu para 546.529. Mas ainda é muito elevado.

Entre 15 e 19

Em relação às regiões brasileiras, em 2017, a taxa de fecundidade entre adolescentes de 15 a 19 anos na Região Norte (88,6/1000) foi quase o dobro da observada nas regiões Sul e Sudeste (45,1/1000).

Entre os estados, no período entre 2010 e 2017, a taxa de fecundidade dessas meninas caiu em todas as unidades da Federação, sendo a maior variação (-25%) no Amapá (111,4 para 83,6/1000) e a menor (-5%) em Roraima (de 104,4 para 99,1/1000).

No entanto, as variações entre os estados ainda são grandes: a taxa do Acre (104/1000) é quase três vezes maior do que a do Distrito Federal (38/1000).

Fontes
Paraguai: Agência EFE, Última Hora e Nodal.com
Brasil: Senado, Jornal da Manhã e Ministério da Saúde

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