Menos energia e falta de água para abastecimento: Rio Iguaçu é síntese da crise da estiagem no Paraná

Reservatórios de usinas estão quase vazios, mas continuam liberando mais água para atender acordo entre Brasil e Argentina.

Apoie! Siga-nos no Google News

H2FOZ – Cláudio Dalla Benetta

O Rio Iguaçu enfrenta o nível mais baixo da história na região de União da Vitória, antes de chegar às cinco usinas instaladas ao longo do seu curso. Dessas usinas, duas delas são fundamentais para a autonomia energética do Estado.

A régua instalada pela Copel em União da Vitória, nesta quinta-feira, 14, marca 1,31 metro, nível registrado apenas em três ocasiões desde 1930, quando começou a medição.

Mas, graças às poucas chuvas que caíram nos dois últimos dias, o nível está melhor que na terça-feira, 12, quando marcou 1,28 metro, o menor nível da história.

Vale lembrar que o nível normal do rio, naquele ponto, é de 6 metros, e que a situação só não é pior porque o Iguaçu recebe, naquele trecho, água de alguns afluentes de Santa Catarina, o que também evita desabastecimento em União da Vitória e sua Porto União, cidade catarinense na outra margem do rio.

A leitura da régua em Porto Amazonas mostra com mais nitidez a crise hídrica do Iguaçu: 0,88 metro, mesmo com o pequeno registro de 0,2 milímero de chuva. Porto Amazonas, a 80 km de Curitiba, é o primeiro local com medição da Copel, depois que o Iguaçu deixa a região da Capital.

As usinas do Iguaçu

Em outra medição, a de vazão, o Rio Iguaçu está com apenas 48,4 metros cúbicos de água em União da Vitória, nesta quinta. Ainda assim, graças aos poucos milímetros de chuva, está melhor que na terça-feira, quando estava com 44,8 m³/s.

O Rio Iguaçu tem uma grande capacidade de recuperação. A vazão, em caso de chuvas contínuas, poderia voltar ao normal rapidamente. O problema é que não chove.

E isso se reflete nas cinco usinas que possui. O reservatório da maior usina da Copel, a de Foz do Areia, registrava na terça-feira menos de 15% de sua capacidade. Mesmo assim, a usina utiliza a reserva pra gerar energia. A usina recebe do rio, nesta quinta, apenas 33,1 m³, e estava turbinando (não há registros de hoje), na quarta-feira, 116 m³/s.

As duas usinas da empresa Engie no Rio Iguaçu, Salto Osório e Salto Santiago, estão com a produção despencando mês a mês, por falta de água.

Queda na produção

Salto Osório é usina a fio d´água, isto é, praticamente produz energia apenas com a água que entra no seu reservatório, com capacidade mínima operacional. Por isso mesmo, gerou 231 mil megawatts-hora (MWh) em janeiro, 155,8 MWh em fevereiro, 115 MWh em março e apenas 81,4 MWh em abril.

Salto Santiago tem reservatório normal, de 208 quilômetros quadrados, que agora está com 7% de sua capacidade. A usina gerou 298 MWh em janeiro e a produção veio caindo em fevereiro e março, até chegar a 114,7 MWh em abril.

Salto Caxias, da empresa Intertechne, tem hoje 9,14% de água armazenada, mas libera mais água do que recebe. A afluência é de 86,4 m³/s e a defluência (o que devolve ao rio) é de 182 m³/s. Isso significa que está rebaixando ainda mais o reservatório para atender o pedido da Argentina, onde não haveria água para abastecer Puerto Iguazú.

Por fim, a usina Baixo Iguaçu, a última do rio e a mais próxima das Cataratas. Ela também opera a fio d´água. Seu reservatório é apenas operacional, com um mínimo de armazenagem. Mesmo assim, está com apenas 46% da capacidade. E esvaziando: a usina recebe 132 m³/s de água do Iguaçu e está turbinando (produzindo energia) 201 m³/s, que vão rio abaixo.

A usina Baixo Iguaçu em tempos normais. Nível de água no reservatório idêntico ao do Iguaçu, abaixo. Foto Divulgação

Déficit de chuvas

Antes da chuva de segunda e terça-feira, 13, que em Foz foi muito boa – mais de 73 milímetros acumulados -, o Simepar havia feito um levantamento apontando um grande déficit de chuvas para a região de Curitiba (- 43,1%), onde por sinal choveu apenas 0,2 mm; Ponta Grossa (-40%); Guarapuava (-47,2%); Cascavel (- 33,8%); Umuarama (- 31,1%), Litoral (- 22,7%) e Foz do Iguaçu (-34,7%).

O grande problema para o Rio Iguaçu é o Litoral (abrangendo a Serra do Mar) e a região metropolitana de Curitiba, onde ele se forma e onde tem afluentes importantes.

O Iguaçu é formado pela junção de dois rios, o Atuba (situado entre Curitiba, Colombo e Pinhais) e o Iraí, que nasce na Serra do Mar. Na região desses dois rios e dos outros afluentes do Iguaçu não chove – ou chove muito pouco. E o Iguaçu sofre.

Abastecimento de água

Barragem do Rio Iraí encolhe. Sobra menos água pro Iguaçu. Foto Geraldo Bubniak/AEN

Curitiba, hoje, enfrenta racionamento de água por causa da falta de chuvas nas bacias de todos os rios que compõem o sistema de abastecimento. A bacia do Rio Iraí, formador do Rio Iguaçu, é uma delas.

Isto significa que a capacidade de armazenagem de água para consumo está sendo utilizada e, com isso, sobra ainda menos água para o Rio Iguaçu.

De acordo com o Simepar, o período de estiagem, que foi persistente e progressivo no Paraná, nos últimos três meses, deve se estender pelo menos até setembro, criando um cenário de seca ao logo do outono e do inverno.

Com isso, os mananciais levarão ainda mais tempo para recuperar as condições normais de abastecimento.

Déficit acumulado

Em entrevista à Agência Estadual de Notícias, o hidrólogo e pesquisador do Simepar Arlan Scortegagna diz que o cenário aé desfavorável quanto à recuperação dos mananciais de abastecimento de água.

“Se vier a chover conforme as médias históricas, os valores serão insuficientes para que os níveis de vazão dos rios recuperem a normalidade, considerando o déficit acumulado”, afirma.

O Paraná tem aproximadamente 200 bacias de mananciais. Os efeitos da estiagem variam de acordo com o perfil e as condições de cada bacia, influenciadas por outros fatores além da chuva, tais como evapotranspiração, volume e concentração temporal de precipitação, matriz, uso e conservação do solo.

Estão sendo afetadas tanto as grandes bacias, que geram energia elétrica, quanto as pequenas, nas quais é feita a captação de água para abastecimento público.

Argentina pede emergência hídrica nos rios Iguaçu, Paraná, Paraguá e Uruguai

Parlamentares argentinos do Mercosul pediram aos países do bloco que declarem "estado de emergência hídrica e ambiental" nas bacias dos rio Paraná, Iguaçu, Uruguai e Paraguai, além da Amazônia, "ante o impacto ocasionado pelo desmatamentoa de áreas naturais", informa a agência de notícias argentina Télam.

Eles também pedem um informe sobre "a situação atual e previsões futuras" sobre essas bacias e que o Brasil "cesse imediatamente o desmatamento na região da Amazônia e em outras áreas naturais", porque "põe em perigo os ecossistemas, e junto com eles a vida de milhões de pessoas e espécies".

O projeto foi apresentado pela presidente da delegação argentina no Parlasul, Cecilia Britto, junto com seus pares Julia Perié e Nelson Nicoletti, "ante a situação alarmante que está vivendo a região com a queda do nível de suas bacias hídricas".

O desmatamento inconsequente é apontado para como a principal causa das mudanças climáticas, inclusive no Paraná, onde os períodos de estiagem estão se sucedendo com maior frequência e alcance.

O Rio Paraná, na Argentina, já não permite navegação com carga total e segura. Foto El Territorio
LEIA TAMBÉM

Comentários estão fechados.