A linha tênue entre protetor e acumulador de animais. A síndrome de Noé

A história é sempre a mesma. Alguém encontra um gato ou cachorro precisando de ajuda e recorre a determinada pessoa porque ‘ela gosta de animais’. Sem saber dizer ‘não’, a tal pessoa acolhe mais um bichinho.

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Aida Franco de Lima | OPINIÃO

A história é sempre a mesma.  Alguém encontra um gato ou cachorro precisando de ajuda e recorre a determinada pessoa porque ‘ela gosta de animais’. Sem saber dizer ‘não’, a tal pessoa acolhe mais um bichinho. E a frequência maior é com gatos, pois é menos difícil achar lar para um que a outro, por uma série de fatores. Note, eu disse menos difícil. Nada é mais fácil. E aí vem mais outro bichinho entregue por fulano que ficou sabendo daquela pessoa que ‘gosta de cuidar’ e depois vem o beltrano com a mesma história que apenas é repetida.

Incapaz de dizer ‘não’ para acolher mais peludos, mesmo que sem condições, o tal humano que ‘gosta de animais’ facilmente passa a maltratá-los! Porém, vale frisar, sem a consciência de que está provocando sofrimento nos mesmos e sem notar que também sofre. Justo quem foi procurado para livrá-los da dor, se torna seu algoz. E mais, quem acumula animais doentes também é um ser doente! “O transtorno de acumulação de animais caracteriza-se pelo acúmulo de animais e falha em proporcionar padrões mínimos de nutrição, saneamento e cuidados veterinários e em agir sobre a condição deteriorante dos animais (incluindo doenças, fome ou morte) e do ambiente”, explica Luis Henrique Paloski, em sua dissertação de mestrado chamada, Transtorno de acumulação de animais: caracterização do funcionamento cognitivo.

“A síndrome de Noé faz referência à acumulação patológica de animais no domicílio. É, por isso, uma doença de obsessão por animais. A síndrome de Noé é um transtorno de acumulação no qual existe uma acumulação patológica e obsessiva, pelo que se colecionam itens em excesso, neste caso animais, e no qual a pessoa se sente incapaz de desfazer-se dos mesmos.” (Psicologia Online)

Já estive de vários lados dessa história. Há muitos anos, antes de ir fazer universidade meu vizinho envenenou meus gatos, que foram na casa dele comer passarinhos engaiolados. Os gatos não morreram, porque vomitaram o veneno. Mas a minha cachorrinha, a Pelúcia, que todos meus amigos conheciam e por onde ela andava encantava a todos, morreu! Ela lambeu o vômito dos gatos. Nunca perdoei esse vizinho e acho que a Lei do Retorno está cuidando muito bem dele… Com medo de ele matar mais gatos, passei a deixá-los presos em um espaço muito pequeno, soltando uma vez por dia. Pareciam crianças saindo para o recreio! Não durou muito essa situação, mas foi um passo para o acúmulo.

Já na época de universitária fui a uma área natural, na cidade de Ponta Grossa, onde costumavam abandonar animais. Achamos duas ninhadas de cachorros, com suas respectivas mães. Catamos tudo e levamos pra cidade, entregando a uma idosa que gostava de animais. Anos mais tarde, fui participar de uma ONG de proteção animal e então descobri que a tal idosa, era acumuladora! Pensamos que fazíamos o bem, e era bem o contrário.

O CASO DE CIANORTE – PR

E em 2015 presenciei como jornalista um caso de acumuladora em Cianorte. Eu já nem sabia direito qual era o meu papel, pois também coloquei a mão na massa, aluguei caçamba pra retirar os entulhos, transportei os animais, fiz as fotografias, ajudei a limpar o ambiente, senti enjoo com o odor, chorei com a crueldade do local… E a dúvida era: o que fazer naquela situação? Denunciar? E qual seria o destino dos animais? E qual seria a responsabilidade do Estado, no caso prefeitura, que no papel é responsável por resguardar os direitos desses seres indefesos? E a pessoa que os acumulava? E as pessoas que empurraram os animais para seus cuidados? Nem todas as perguntas cabem aqui e muito menos as respostas.

O fato é que havia ali naquele local um estado de sofrimento múltiplo: animais, pessoa acumuladora e vizinhos em estado de sofrimento! Moradores me relataram que não podiam abrir as janelas laterais, de tanto que fedia! Onde estava a Vigilância Sanitária que foi omissa nesse caso? Sim, foi omissa. Se não tivesse sido, não teríamos as fotos que seguem. Onde estavam os órgãos que deveriam cuidar das pessoas com transtornos mentais? Sim, já explicamos lá no começo do texto que essa é uma pessoa doente, que precisa de cuidados. De quem é a culpa? Nessa história apenas os animais são inocentes. Cada humano tem sua parcelinha nessa história. Principalmente quem abandonou ninhadas de animais há muitos anos, afinal, não é difícil que houvesse sangue da geração passada desses bichinhos nesse lugar, literalmente.

O local das fotos foi desativado há alguns anos, os animais que sobreviveram foram medicados e levados para um ou outro voluntário, visto a dificuldade de acolher felinos adultos e arredios. Mas, a maior parte para uma outra única pessoa, por isso o receio de eles apenas terem sido transferidos de acumulador. O trabalho foi realizado por pessoas vinculadas ou não a uma ONG (se autorizarem colocarei o nome). Não houve ajuda ou envolvimento de outros órgãos. Não sei precisar a quantidade de gatos que havia originalmente no local, talvez 20, 50, realmente não sei dizer. Mas as imagens falam por si.

Visão externa de um dos locais onde os gatos eram aprisionados, em Cianorte. Mas o acumulador não compreende que isso é maus tratos. Fotos: Aida Franco de Lima
Continuidade da visão externa do mesmo local, completamente inapropriado. Foto: Aida Franco de Lima

IMPORTANTE: O local das fotos NÃO existe mais. Os animais foram retirados do ambiente, mas não posso assegurar que não tenham apenas sido ‘trocados’ por outra pessoa acumuladora. Mas há outros animais em situações similares não apenas em Cianorte como em diversas cidades. O intuito deste texto é alertar para o problema e defender a CASTRAÇÃO em massa com técnicas adequadas, pois na dor somos todos iguais. Acumular animais é uma DOENÇA que também precisa ser tratada, principalmente com apoio do Poder Público.

 

Aida Franco de Lima – Professora universitária. Dr.ª e Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), Jornalista e Especialista em Educação Patrimonial (UEPG – PR); Guia Especializada em Atrativos Turísticos Naturais (SENAC – EMBRATUR);Técnica em Vestuário (CEEP – PR); escritora (Série: Guardador de Palavras da Gabi).

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