
O que especialistas descrevem como impacto do calor no ser humano, os moradores da extrema Foz do Iguaçu sentem na pele e nas ruas todos os dias. Sofrem muito os trabalhadores expostos ao sol – um para cada iguaçuense, costuma-se repetir –, passageiros de ônibus nos horários mais quentes e até quem busca atendimento em saúde. A lista vai longe.
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Imagine ficar o dia todo em uma plataforma elevada, com o Sol batendo de frente e manuseando materiais e equipamentos aquecidos. É muito? Acrescente roupas especiais que elevam a temperatura do corpo, luvas, botinas, proteção de rosto e capacete. É a labuta de Max Delys (42) e da sua equipe, que prestam serviço à Copel em instalação de redes elétricas.
São três profissionais, que para enfrentar o calor consomem 15 litros de água, com direito à reposição dos garrafões, elevando esse volume. “O cansaço é mais rápido, e a gente fica mais irritado”, contou. “Ao chegar em casa, é um banho demorado na água fria, ar condicionado e, não pode faltar, um tererê gelado”, receitou Max.

A cidade registrou a mais alta temperatura média para fevereiro desde 2018, de 26,9°C, conforme o Simepar (Sistema Meteorológico do Paraná). O que está sendo chamado de onda de calor mantém as temperaturas da cidade altas nos próximos dias, com 34°C de máxima, até domingo, 9, com os picos de elevação entre 14h e 16h.
Calorão de Foz do Iguaçu
Aposentada, moradora em Três Lagoas, Valdice Moreira dos Santos (66) pega o ônibus duas vezes por semana para fazer tratamento odontológico no Morumbi, à tarde – mais quente. Ela usa a linha Interbairros até a sua região e outra lotação para chegar a sua casa. São cerca de duas horas no trajeto: 40 minutos de espera no ponto e o restante dentro do coletivo.

Para retornar à residência, Valdice utiliza o ponto de ônibus com ar-condicionado da Avenida Mario Filho, o que é um alento parcial no calor. Parcial porque, diz a passageira, depois das 15h, a temperatura é insuportável e não dá para sentar no banco de ferro, que aquece. “Eu fico esperando o ônibus atrás do ponto, que é mais fresco, porque tem árvores”, revelou.

Há mais de 40 anos em Foz do Iguaçu, dona Valdice acredita que a cada ano a cidade fica mais quente, não sem registrar uma observação sapiente sobre as causas do calorão: “Estão desmatando muito. Bairros com mais árvores são mais frescos, enquanto que regiões com mais carros o calor é bem maior.”

O ponto de ônibus refrigerado do Morumbi foi feito no final do mandato do ex-prefeito Chico Brasileiro (PSD), em dezembro de 2024, e custou R$ 73 mil. Além de receber os raios solares diretamente na estrutura, fica no lado da rua de desembarque de passageiros – somente o Interbairros e o 350 recolhem usuários de ônibus. No mesmo terreno, há um belo parquinho infantil sem sinais de uso durante o dia: ele fica fora da sombra do arvoredo ao lado.
Sob o Sol de segunda a segunda
Nem o clima semiárido de Campos Sales (CE), cidade natal, parecia ser tão quente como o de Foz do Iguaçu, expõe o vendedor de porta em porta Francisco José dos Santos Filho (55). Seu trabalho diário é cortar o trecho, por ruas e avenidas de Foz do Iguaçu, empurrando um carrinho que pesa mais de cem quilos, a oferecer seus produtos nas casas e comércios.

Quando conversou com o H2FOZ, nesta semana, percorria o Parque Imperatriz, entrada da cidade, seguindo para o Morumbi, na Região Leste. A breve parada para a entrevista foi perto das 15h, sob um sol desumano, em uma das vias do Jardim Europa. No carrinho, bacia, cadeira, espelho, panela e – não poderia ficar de fora – ventilador.
“Não é fácil enfrentar esse sol todos os dias, o desgaste da gente é muito maior”, reclamou. “Uso o manguito, essa roupa de motocicleta e bebo uns oito litros de água”, disse o cearense, que há 18 anos veio para a fronteira em busca de trabalho e vida melhor. A água, obtém nas casas em que oferece seus produtos. “Nem sempre vem geladinha”, registrou Francisco.
Na UPA, haja paciência
A enfermidade e o tempo de espera por atendimento já roubam a paciência de qualquer pessoa que busca os serviços de saúde ou acompanha alguém. Com o calorão de Foz do Iguaçu, a situação piora, a irritação aumenta, assim como o desconforto. E piora se a unidade de saúde não tiver ar condicionado.
Na tarde de quarta-feira, 5, a reportagem foi à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Morumbi. O ar-condicionado da recepção funcionava, mas a recepção estava lotada de pessoas. Estudante de Medicina no Paraguai, jovem de 19 anos e moradora do Portal da Foz, que terá o nome preservado, reportou ser necessário um exercício de paciência.

“A irritação fica muito maior com a gente tendo de esperar o atendimento na saúde de Foz do Iguaçu”, ressaltou. “Semana passada, precisei brigar com o médico para meu irmão ser atendido de forma adequada. Hoje, estou acompanhando a minha amiga, que está sentido dores abaixo do peito. É preciso ter paciência”, pontuou.
E sem ar condicionado, como fica? Na quinta-feira, 6, os aparelhos de refrigeração da UPA do Morumbi estavam danificados. Morador do Porto Meira, o assistente administrativo Richard Clayton, 31, relatou ao H2FOZ que acompanhou a esposa, Valdineia, até a UPA do Morumbi. Ela foi diagnosticada com pneumonia.

“A UPA estava lotada à tarde. Tem dois ares na recepção, um estava estragado, e o outro não gelava o suficiente”, explicou. “A moça da recepção mexeu no aparelho e nos disse que realmente estava estragado. Estava muito calor mesmo, e muita gente, o pessoal estava reclamando”, narrou.
A prefeitura confirmou que os equipamentos foram danificados, dizendo que o estrago foi causado por sucessivas quedas de energia elétrica, e que agendou a manutenção para esta sexta-feira, 7. E citou que a administração está fazendo consertos e trocas de ar-condicionado em várias unidades, o que não ocorria adequadamente na gestão anterior, completou.
Calorão vilão da saúde
Especialistas alertam sobre os impactos do calorão na saúde das pessoas, em curto e longo prazo. É o caso da professora Tatiane Cristina Moraes de Sousa, do Departamento de Epidemiologia do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em reportagem veiculada pela Agência Brasil (ABr), do governo federal. Hidratação constante e toalha úmida por perto, recomendou.
“Quando falamos dos impactos, temos que pensar primeiro na exposição, que é como aquela pessoa está exposta, por quantas horas, se está dentro de um ambiente ou não, se está a céu aberto, trabalhando”, avaliou. Efeitos imediatos são verificáveis com sinais como de exaustão, desmaios, náuseas e insolação – em casos mais graves. Ou podem provocar complicações em órgãos vitais.
Os efeitos em longo prazo decorem do fato que a exposição ao calor intenso exige mais esforço de regulação pelo organismo. “Nosso sistema cardiovascular e nosso sistema renal estão se esforçando mais para o nosso corpo voltar à temperatura em que o organismo funciona melhor, em torno de 37°C, então, se expormos o nosso corpo a esse esforço por um longo período, também aumentamos a chance de aparecerem doenças crônicas”, esclareceu Tatiane, na ABr.
Um manejo adequado da arborização urbana ajudaria bastante a mitigar os efeitos do calor. Este problema não é exclusivo de Foz, mas acontece de forma generalizada mundo afora. Infelizmente é difícil combater os seres humanos gananciosos, que só querem ganhar dinheiro, e que não pensam duas vezes antes de destruir a natureza para alcançar seus objetivos.