Sem dinheiro para aluguel, mais de 100 famílias ocupam área entre o Distrito Industrial e a BR-277

Moradores pedem regularização do lugar e instalação de serviços essenciais como água e energia elétrica. Assista ao vídeo.

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Moradores pedem regularização do lugar e instalação de serviços essenciais como água e energia elétrica. Assista ao vídeo.

Dona Irene conta que dormiu ao relento, com apetrechos improvisados, na noite de 15 de novembro de 2019. Naquele dia, juntou-se a um grupo de conhecidos que ocupou a área urbana localizada no Portal da Foz, entre o Distrito Industrial e a BR-277, em frente à Avenida Uirapuru, decidida a deixar de pagar o aluguel mensal de R$ 450, que era mantido com a pequena pensão pelo falecimento do esposo.

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A pedido da Defensoria Pública, Tribunal de Justiça suspende reintegração de posse da ocupação do Portal da Foz

Pouco mais de um ano depois, 117 famílias – cerca de 600 pessoas – vivem no lugar em barracos e moradias precárias, sem água, luz ou esgoto instalados, nem banheiros adequados. O levantamento é dos representantes da comunidade, os quais afirmam ter uma “lista com nome, CPF e RG de todos”. A rua que corta a ocupação e as ruelas construídas pelos moradores são de terra: barro quando chove, poeira em dias de sol.

Primeira moradia da ocupação foi a da dona Maria das Graças – Foto: Marcos Labanca

O lugar foi denominado Vila União da Paz. Nos primeiros dias da ocupação, Irene, apelido dado pelos vizinhos a Maria das Graças, 63 anos, era uma das responsáveis pelo preparo da comida. A primeira moradia levantada foi a sua, em madeira, onde vive sem mais ninguém. “Sozinha, não! Eu e Deus”, brinca. “Quando chegamos, era feio, puro mato e lixo. Até pessoas mortas eram deixadas”, relata.

Popular na vizinhança, a pensionista – que produz sabão artesanal e o vende a preços módicos – quer ver o local onde vive regularizado. “Espero que o prefeito trabalhe para regularizar as nossas moradias e deixe o pessoal em seu lugar. Nem que a gente tenha que pagar um pouco, mas queremos permanecer aqui, a maioria não tem para onde ir”, enfatiza.

Pedido de reintegração de posse

No ano passado, a 4ª Vara Cível da Justiça em Foz do Iguaçu determinou a reintegração de posse da área, que não chegou a ser executada, e nessa quarta-feira, 20, foi suspensa pelo Tribunal de Justiça do Paraná (leia aqui), a pedido da Defensoria Pública do Estado (DPE). Advogado de três proprietários, Carlos Henrique Rocha sustenta que a ocupação é ilegal.

Famílias vivem em barracos e moradias precárias – Foto: Marcos Labanca

Ele diz que, a pedido de seus clientes, recorrerá para que a Justiça mantenha a reintegração do imóvel a seus donos. “Me baseio na Constituição Federal e nas demais legislações, porque é uma área particular de pessoas que pagam impostos, tudo escriturado e registrado, que consta do Imposto de Renda de seus donos”, expõe.

Segundo ele, antes ser ocupada, a área não estava sendo utilizada e não possuía benfeitorias, mas era cercada. “Foi arrematada em leilão para receber a construção de barracão de uma empresa. Eles [ocupantes dos terrenos] se apoderaram, invadiram tudo e destruíram a cerca”, afirma o advogado Carlos Henrique Rocha.

Problema social da moradia

A Vila União da Paz, ou “ocupação do Portal da Foz”, é um retrato dos históricos e graves problemas sociais ainda não solucionados em Foz do Iguaçu, especialmente os relacionados à moradia popular. De acordo com a prefeitura, a cidade possui 93 ocupações irregulares, com base em levantamento de 2019 feito pela Cohapar, autarquia estadual de habitação.

Luizão, representante dos moradores, diz que o objetivo é a regularização da área – Foto: Marcos Labanca

Da Vila União da Paz, a gestão municipal pouco sabe. E também nada faz. O mecânico Luiz Carlos Gambaro, o Luizão, é um dos representantes da ocupação. De acordo com ele, equipes da prefeitura estiveram no local somente uma vez, desde o final de 2019. “Pediram para nós deixarmos livre a faixa que será a Perimetral Leste, que vai ter a pista alargada. Disseram que a questão das moradias seria resolvida em outro momento. Nunca mais voltaram”, relata.

Conforme Luizão, a área é composta de quatro porções com 2,8 mil metros quadrados cada uma, totalizando mais de 11 mil metros quadrados. Cada família tem um terreno de 50 metros quadrados (5m x 10m). “Já apareceram uns oito ‘donos’ da área aqui, brigando entre eles, mas sem mostrar documentação, só com o contrato de compra e venda”, conta.

“Ninguém vai amassar barro se não tiver precisando”

A ocupação possui igrejas, pequenos comércios de alimentos e utilidades e um espaço comunitário. “Aqui só moram trabalhadores que não têm outro lugar para viver. Ninguém vai amassar barro, sem água e luz, se não tiver precisando mesmo”, aponta Luizão. “São pedreiros, serventes, autônomos, coletores de reciclagem, profissionais de empresas de segurança, domésticas, vendedores em ruas e semáforos”, descreve.

Em dias de chuva, lama toma conta das vias – Foto: Marcos Labanca

Os itens básicos são as reivindicações dos moradores e a definição da questão legal da posse. “Queremos a instalação de água e luz. E, se der, melhoria das ruas”, pontua. “Contamos que a área será regularizada e não vamos deixá-la sob nenhuma condição. A menos que a prefeitura converse conosco e providencie moradias dignas para nós”, pleiteia.

“Desocupação nós não iremos aceitar. Não dá para permitir que crianças, idosos e mulheres sejam jogados na rua”, assevera. “Quem sabe, conseguimos fazer um projeto aqui com a Unila [Universidade Federal da Integração Latino-Americana] para o benefício de todas essas pessoas”, projeta Luiz Carlos Gambaro.

Posição da prefeitura

Questionada sobre se possui registro do número de famílias que estão morando no local, a Prefeitura de Foz do Iguaçu relatou que não dispõe desse dado. “Trata-se de uma população flutuante, então não temos o número de moradores da ocupação”, expôs a assessoria de comunicação ao H2FOZ.

A administração informou que os terrenos da ocupação possuem 12 matrículas de imóveis inscritos no município, com oito diferentes proprietários. As melhorias, segundo a administração, não são possíveis de ser realizadas por se tratar de área privada que não conta com requisitos para a regularização, conforme alega a gestão.

“A área em questão não atende os requisitos legais de tempo para a regularização fundiária, pois a legislação municipal entende como núcleo urbano consolidado, aquele que já existia há cinco anos, a contar a data da promulgação da lei, ou seja, 20 de abril de 2013”, informa a prefeitura.

Moradores pedem para ter acesso a serviços básicos – Foto: Marcos Labanca

“A legislação federal de regularização também estabelece o lapso temporal para que seja possível regularizar, exigido que a ocupação seja anterior a 22 de dezembro de 2016. Por tanto, para que seja possível regularizar, a ocupação deve seguir os requisitos de um loteamento novo, obedecendo às diretrizes de parcelamento de solo do município”, continua.

Ainda conforme a administração municipal, os moradores podem usar os serviços públicos do município. “Equipes da Assistência Social e da Saúde do município estiveram no local e repassaram orientações aos moradores sobre o funcionamento dos serviços. O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da região Leste é responsável pelo atendimento”, afirma.

De acordo com o município, são ofertados serviços como inserção no Cadastro Único para acesso a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e há o fornecimento de cestas básicas, conforme acompanhamento da equipe técnica composta por assistente social, psicólogo e educador social. Já os atendimentos de saúde são concentrados na Unidade Básica de Saúde Portal da Foz.

Ocupação do Portal da Foz 

Ocupação conta com pequenos comércios de alimentos e utilidades
Fiação improvisada leva energia elétrica a algumas casas
Crianças brincam nas ruas de terra da ocupação
Moradia de um cadeirante que vive sozinho e é auxiliado pelos vizinhos
Irmãos dividem a mesma moradia na Vila União da Paz
Moradores se organizam para suprir as demandas da ocupação

Fotos: Marcos Labanca/H2FOZ

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