Foz tem o mesmo problema de Houston, rota de furacões: água não tem pra onde ir

Pela Escala Fujita, várias vezes Foz é assolada por tornados, como na terça, 19). Mas sofre de enchentes igual a cidades que são rota de furacões.

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Por Cláudio Dalla Benetta

Foz do Iguaçu não tem furacões, mas tem tornados, pelo menos se for levada em conta a Escala Fujita, desenvolvida pelo meteorologista nipo-americano Tetsuya Theodore Fujita.

Pela escala dele, os tornados são classificados em função do potencial e intensidade de destruição. Ventos de 64 a 116 km por hora, suficientes para arrancar telhados, quebrar galhos de árvores e derrubar placas, têm classificação F0. Em Foz do Iguaçu, na terça-feira (19), a velocidade dos ventos foi estimada entre 66 e 80 km por hora. Ou até 100 km por hora, conforme a Defesa Civil. F0, portanto.

Se derrubou mais que galhos e placas, não foi "culpa" do vento, mas de árvores apodrecidas, quase mortas, sem sustentação nas raízes. 

Por curiosidade, a classificação F5, a de maior intensidade, indica ventos com velocidade superior a 500 km por hora, que podem arrancar construções com boas fundações e arrastar carros. A gente vê isso em filmes de catástrofe, como "Twister", de 1996, ou o mais recente, "No olho do furacão", de 2018. 

Mais que com os ventos, que têm sido constantes neste verão, Foz padece de alagamentos, em quase toda a cidade. Já existe até uma Comissão Especial na Câmara de Vereadores para discutir e estudar o assunto.

Esta comissão reuniu-se na quarta-feira (20), com representantes da Defesa Civil, Sanepar e Itaipu. Estranhamente, a Prefeitura não mandou nenhum representante, o que foi motivo de muitas críticas.

"Precisamos procurar soluções definitivas, e não paliativas como vem acontecendo", disse o vereador Anderson Andrade (PSD), um dos integrantes da comissão. Os outros são o presidente da Câmara, Beni Rodrigues (PSB), João Sabino (Patriota), Elizeu Liberato (PR), Rosane Bonho (PP), Celino Fertrin (PDT), Adenildo Kako (Podemos) e Edson Narizão (PTB).

É só concreto

"Soluções definitivas" são quase um sonho. O engenheiro Luiz Henrique Maldonado, da Divisão de Estudos Hidrológicos e Energéticos da Itaipu, põe o dedo na ferida: "Isso envolve ações como diminuir a área de concreto nos terrenos e, para a água escoar, as saídas de drenagem devem estar limpas, desobstruídas".

À parte a questão da desobstrução de galerias – muitas vezes causada pela própria população, que joga o lixo onde bem entende e depois o vê voltar com a água suja -, onde Foz do Iguaçu se assemelha a Houston, rota de furacões e aos alagamentos que provocam,  está justamente na impermeabilização do solo, apontada pelo engenheiro.

E corroborada numa fala de Jorge Darif, engenheiro representante da Sanepar: "Pontos de infiltração (da água da chuva) também são importantes, como terrenos com vegetação".

Isto é, se a água encontra solo impermeabilizado, vai se espalhar por onde puder: as avenidas viram rios, casas e lojas são inundadas, como acontece com tanta frequência em bairros como a Vila Portes e os jardins Jardim São Paulo e São Luís, apontados pelo capitão Castro, da Defesa Civil, como os que trazem maior preocupação em dias de chuvarada. 

Nessas regiões, disse, não podem ser aprovados novos loteamentos. Anotem aí, responsáveis pelo setor na Prefeitura. 

Pra onde vai a água, se só há asfalto, as bocas-de-lobo estão entupidas e o resto é concreto? 

Igual a Houston e tantas outras

Veja o que disse uma reportagem do Jornal Nacional sobre a enchente de Houston, em 2017, que matou moradores e obrigou a Defesa Civil a armar um esquema de emergência pra retirar mais de mil de pontos ilhados: “Nos últimos anos, Houston cresceu muito e o chão recebeu muito mais cimento. A água não tem para onde escoar. No processo de desenvolvimento, ninguém lembrou que ali é rota de furacão e que as chuvas vão vir, uma hora ou outra".

E completou: "A impermeabilização do solo é uma consequência do crescimento sem planejamento em áreas urbanas do mundo todo. A gente vê o impacto das chuvas nas nossas grandes cidades".

Houston, enchentes provocadas pelo Furacão Harvey. Impermeabilização espalhou a água por toda a cidade de 2,3 milhões de habitantes. Foto do Youtube

Foz não é tão grande assim (Houston tem 2,3 milhões de habitantes, quase dez vezes mais) nem é rota de furacão, mas aqui também chove. E como chove. E a cidade não tem parques à beira dos rios, para evitar que a água se espraie pelas áreas habitadas, não tem praças com terra e grama pra água infiltrar. E, na maioria das casas, os terrenos são preenchidos pela construção e piso de concreto. Quando muito, sobra um meio palmo de terra pra cebolinha e salsinha.

Jorge Darif disse que é importante a manutenção preventiva das galerias, "porque lá entra terra, lixo e nas chuvas vai acontecer alagamento". Ele sugeriu ainda a criação de bacias de contenção. E lembrou que em Foz há "ligações clandestinas (de esgoto), ou porque não tem galeria na rua ou por comodidade, porque é mais fácil". 

Asfalto, asfalto

Todo mundo sabe qual é uma das maiores reivindicações dos iguaçuenses: mais asfalto! Perfeito, ninguém quer comer pó quando faz sol nem se enlamear quando chove. Mas, junto com o asfalto, precisa vir um bom sistema de galerias pluviais, que leve a água da chuva aos lugares certos. E é preciso haver calçadas, mas com parte dela em gramado, pra água infiltrar. E árvores, que quando saudáveis ajudam a barrar o vento, além de serem refresco no calorão.

O problema da impermeabilização do solo das grandes cidades é hoje quase insolúvel. Porque não são apenas as avenidas e calçadas, mas todo o espaço ocupado por prédios e casas, com concreto e asfalto cobrindo tudo. Até Paris já sofreu alagamentos, quando o Rio Sena transbordou, na chente do ano passado (a enchente do Sena em 1910 entrou para a história como a maior catástrofe natural do século XX. De lá pra cá, muito foi feito pra evitar isso).

Foz do Iguaçu ainda tem muitos vazios urbanos, ainda tem espaço para parques e praças, ainda pode fazer leis que obriguem os novos proprietários de loteamentos a reservar um espaço maior para o verde, e não simplesmente cobrir tudo de… asfalto e concreto.

Porque as chuvas virão, "uma hora ou outra". E tudo o que se fizer, se não for bem pensado, será mero paliativo, justamente a crítica feita pelo vereador Anderson Andrade, cansado de "medidas paliativas". É preciso pensar grande, pensar não só nos paliativos momentâneos, como soluções definitivas. De fato.

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