Reabertura de estrada pode incluir Parque Nacional do Iguaçu na Lista do Patrimônio em Perigo

A reabertura da Estrada do Colono pode incluir o Parque Nacional do Iguaçu na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo, diz representante da Unesco em entrevista ao H2FOZ.

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A reabertura da Estrada do Colono pode incluir o Parque Nacional do Iguaçu na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo. A inclusão do sítio onde estão as Cataratas do Iguaçu na chamada lista vermelha ocorrerá se a reabertura implicar um risco concreto às características de valor excepcional universal que levaram a unidade de conservação a se tornar Patrimônio Mundial da Humanidade. 

A ponderação é de Fábio Eon, coordenador interino de Ciências Naturais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil. Em entrevista exclusiva ao H2FOZ, ele ressaltou que se as características de valor excepcional não forem mantidas, o sítio será analisado e, se for o caso, poderá entrar na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo.

Fábio Eon, Unesco – Foto: Divulgação

Relembrar as regras da Unesco é uma medida prudente quando o assunto é o título de “Patrimônio Natural da Humanidade” concedido ao Parque Nacional do Iguaçu em 1986. Após o título, ocorreram aberturas e fechamentos da estrada ao longo dos anos, que já resultaram na inclusão da unidade de conservação na lista vermelha da Unesco, em 1999.

Em junho de 2001, a Estrada do Colono foi fechada pela última vez, e o Parque Nacional do Iguaçu deixou de figurar na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo. Após algumas tentativas de reabertura nos anos 2000 e 2010, hoje está em curso significativo movimento de setores da sociedade para reabertura do caminho.

O tema voltou a ganhar holofotes a partir da apresentação do Projeto 984/2019, de autoria do deputado Vermelho (PSD/PR).  Protocolada em fevereiro deste ano, a proposta cria a categoria de “Unidade de Conservação denominada Estrada-Parque e institui a Estrada-Parque Caminho do Colono no Parque Nacional do Iguaçu”. Atualmente a matéria tramita na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

A proposta já recebeu apoio do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (pronunciamento numa live e depois em entrevista coletiva); do governador do Paraná, Ratinho Junior; e do senador Álvaro Dias (Podemos/PR). Também demonstraram apoio a Itaipu Binacional e a AMOP (Associação dos Municípios do Oeste do Paraná), bem como parte dos deputados da Assembleia Legislativa do Paraná.  

O que é? 
Estrada do Colono ou Estrada-Parque compreende o percurso de Serranópolis a Capanema, cortando o interior da floresta. Por muito tempo serviu de atalho entre o Oeste e o Sudoeste do Paraná. Fechado em 2001, atualmente o trajeto está inteiro tomado pela vegetação, como demonstraram as imagens do fotógrafo do H2FOZ, Marcos Labanca, produzidas em abril de 2019.

Diante do fortalecimento do movimento pró-reabertura da Estrada do Colono (ou abertura da Estrada-Parque), o H2FOZ entrevistou, por e-mail, o coordenador interino de Ciências Naturais da Unesco. Fábio Eon destaca que, “caso a abertura da estrada coloque em risco as características que levaram o parque a ser reconhecido como Patrimônio Mundial, o sítio poderá ser objeto de análise do Comitê do Patrimônio Mundial”, em Paris. Leia os principais trechos da entrevista.

Parque Nacional do Iguaçu, Serranópolis ao fundo, em abril de 2019 – Foto Marcos Labanca

H2FOZ – Após o fechamento da Estrada do Colono, em junho de 2001, surgiram várias tentativas de reabertura, com iniciativas principalmente de parlamentares. O que temos de diferente agora é um forte movimento de setores da sociedade favoráveis à sua reabertura. Como a Unesco avalia esse movimento organizado pró-reabertura da Estrada do Colono?
Fábio Eon –
Não cabe à Unesco no Brasil avaliar esse tipo de situação, pois, ao final, a decisão técnica é tomada pelo Comitê do Patrimônio Mundial, conselho composto por 21 países e que é responsável pela aplicação da Convenção do Patrimônio Mundial de 1972. Caso, de fato, a reabertura da estrada implique um risco concreto às características de valor excepcional universal que levaram o parque a se tornar Patrimônio Mundial, seria salutar a realização de debates que envolvam todos os públicos e atores afetados pela questão. 

H2FOZ – O movimento pró-reabertura da Estrada do Colono – também chamado de movimento de abertura de uma estrada-parque – pode levar à inclusão do Parque Nacional do Iguaçu na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo? 
Fábio Eon – Caso a abertura da estrada coloque em risco as características que levaram o parque a ser reconhecido como Patrimônio Mundial, o sítio poderá ser objeto de análise do Comitê do Patrimônio Mundial e de seus órgãos assessores – respectivamente, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), para assuntos de patrimônio cultural, e a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), para questões relativas ao patrimônio natural – e, se for o caso, ser inscrito na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo. 

H2FOZ – A reabertura da Estrada do Colono ou a abertura de uma estrada-parque deve resultar na retirada do título do Parque Nacional do Iguaçu de Patrimônio Natural da Humanidade, dado pela Unesco em 1986?
Fábio Eon – Quando um sítio entra na Lista do Patrimônio Mundial, o país que encaminhou a candidatura torna-se responsável por sua preservação e por manter as qualidades que levaram ao seu reconhecimento como Patrimônio Mundial.

Caso as características não sejam mantidas, o sítio é analisado e, se for o caso, pode entrar na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo.

Quando isso acontece, existe um esforço da comunidade internacional para que a situação se regularize e são tomadas medidas para que as características originais sejam recuperadas. A perda do título somente poderá ocorrer depois que o bem estiver inscrito na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo e quando se esgotarem todas as medidas de reversão do quadro que coloca o sítio em risco. 

H2FOZ – Quais são os valores universais excepcionais do Parque Nacional do Iguaçu e por que eles devem ser preservados? 
Fábio Eon – Para se tornar um sítio do Patrimônio Mundial da Humanidade e ter o seu valor universal excepcional reconhecido, o(s) país(es) que propõe(m) a candidatura do sítio deve(m) elaborar um documento que expresse as características do local, que atendam a um ou mais dos critérios estabelecidos no “Guia operacional para a implementação da Convenção do Patrimônio Mundial”. Por decisão do Comitê do Patrimônio Mundial, o Parque Nacional do Iguaçu observa dois dos dez critérios, o Critério VII e o Critério X, que são respectivamente:

• conter fenômenos naturais extraordinários ou áreas de uma beleza natural e uma importância estética excepcionais; e

• conter os habitats naturais importantes e significativos para a conservação in situ da diversidade biológica, incluindo aqueles que abrigam espécies ameaçadas que possuam valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação.

Devemos destacar que são necessárias a proteção, a administração e a integridade do sítio.

O que faz com que o conceito de Patrimônio Mundial seja excepcional é a sua aplicação universal. Os sítios do Patrimônio Mundial pertencem a todos os povos do mundo, independentemente do território onde estiverem localizados. Os países reconhecem que os sítios localizados em seu território nacional e inscritos na Lista do Patrimônio Mundial, sem prejuízo da soberania ou da propriedade nacionais, constituem um patrimônio universal “com cuja proteção a comunidade internacional inteira tem o dever de cooperar”. Todos os países têm sítios de interesse local ou nacional que constituem verdadeiros motivos de orgulho nacional, e a convenção os estimula a identificar e proteger seu patrimônio, esteja ele ou não incluído na Lista do Patrimônio Mundial.

H2FOZ – Na prática, o que significa para o Parque Nacional do Iguaçu entrar para a Lista do Patrimônio Mundial em Perigo?
Fábio Eon – A conservação do Patrimônio Mundial é um processo contínuo. Incluir um sítio na Lista do Patrimônio Mundial significa um compromisso do país em preservar as características que inicialmente o tornaram apto a ser incluído na relação dos bens do Patrimônio Mundial. Na prática, os países tomam essa responsabilidade muito seriamente. Pessoas, organizações não governamentais e outros grupos costumam comunicar ao Comitê do Patrimônio Mundial possíveis perigos para os sítios. Se as denúncias se confirmam e o problema for realmente grave, o sítio é incluído na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo, por meio de decisão do Comitê do Patrimônio Mundial.

Parque Nacional do Iguaçu, Capanema ao fundo, em abril de 2019 – Foto Marcos Labanca

H2FOZ – E o que significaria perder o título de Patrimônio Natural da Humanidade?
Fábio Eon – Ter um bem inscrito na Lista do Patrimônio Mundial é um reconhecimento mundial de que ele tem um valor que vai além do país e da administração local. O título atesta que ele é importante para a humanidade. Essa situação traz benefícios para a cidade, para o estado e para o próprio país. A entrada na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo, etapa anterior à perda do título, já significa que as características que levaram o sítio a ser reconhecido não estão sendo preservadas, e perder o título significa que os danos causados ao bem de importância para a humanidade são irreversíveis.

H2FOZ – A Unesco tem ciência do Projeto de Lei 984/2019 em trâmite na Câmara dos Deputados, que altera a Lei 9.985 e cria a Unidade de Conservação Estrada-Parque?
Fábio Eon – Quem se ocupa dos assuntos de Patrimônio Mundial não é o escritório da Unesco, no Brasil, e sim o Centro do Patrimônio Mundial, que funciona na sede da Unesco em Paris, França. Como já mencionado, trata-se de um projeto de lei (PL) que ainda precisa passar por aprovação. Assim, qualquer juízo neste momento seria meramente especulativo. 

H2FOZ – O Projeto de Lei 984/2019 foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Viação e Transportes, em 16 de abril. Agora tramita na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. O avanço em mais uma comissão, aliás, numa comissão estratégica, é motivo de preocupação? 
Fábio Eon – Por se tratar de assuntos internos do país, não cabe à Unesco avaliar esse tipo de situação. Respeitamos a soberania de nossos países-membros e as regras do jogo democrático. Mas, caso o tema se configure como um risco real para o título de patrimônio do parque, isso será objeto de análise do Comitê do Patrimônio Mundial e pode ser item de agenda de futuras reuniões do comitê. 

H2FOZ – Que medida a Unesco espera do governo federal brasileiro, em especial dos órgãos ligados ao meio ambiente, visando a preservar o título de Patrimônio Natural da Humanidade do Parque Nacional do Iguaçu?
Fábio Eon – A Unesco apenas recomenda que sejam mantidas as características do sítio que está inscrito na Lista do Patrimônio Mundial. No caso do patrimônio natural, no Brasil, as autoridades nacionais voltadas à conservação e à proteção da biodiversidade são, em particular, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Ambos têm um papel e uma responsabilidade importantes nesse processo. 

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