Dever do Estado x Direitos de Foz, por Fouad Fakih

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“Mesmo não sendo historiador tentarei mostrar uma das facetas, não revelada para a opinião pública nacional, de Foz Iguaçu e seu valor no sistema federativo brasileiro….No lugar da MP 380, deveriam oferecer mil dólares de cota no Paraguai e mil dólares de cota na Argentina ao turista que permanecer no mínimo três noites numa das cidades que compõem a Tríplice Fronteira.”

Mesmo não sendo historiador tentarei mostrar uma das facetas, não revelada para a opinião pública nacional, de Foz Iguaçu e seu valor no sistema federativo brasileiro.

É lamentável ver uma cidade da importância geopolítica (fornecedora de 20% da energia consumida no país e que abriga em seu território o Parque Nacional do Iguaçu e as Cataratas, além de integrar harmonicamente povos de todos os estados brasileiros e de centenas de países) passar por um processo discriminatório com a conseqüente estagnação econômica e sérios reflexos no campo social, político e diplomático.

Desde a instalação da Colônia Militar, no final do século 19, até os dias de hoje, Foz do Iguaçu tem representado a realidade que o mundo gostaria de viver. É hospitaleira, fraterna e receptiva ao desenvolvimento. Modelo de integração. Reúne mais de 70 etnias. Pessoas que respeitam as diferenças e convivem sem conflitos. Assim como pretendem os grandes líderes pacificadores.

Além disso, Foz do Iguaçu é símbolo de nacionalismo. Sua gente serve com lealdade e patriotismo ao Estado brasileiro. A cidade sempre representou o elo da integração com vizinhos argentinos e paraguaios. Foz do Iguaçu é um excepcional laboratório para a diplomacia mundial. Entretanto, o poder central nunca percebeu nossa importância neste processo. 

Mesmo assim, a cidade nunca recebeu agradecimentos ou reconhecimento. E para isso não falta merecimento por tudo que representa ou contribui com colaboração permanente e inesgotável tolerância. Sua gente é amistosa mesmo com aqueles que de forma injusta e preconceituosa a agridem, ofendem e mutilam a sua economia, imagem e história.
A partir do acordo do Mercosul, as relações fronteiriças começaram a ser tratadas de forma monocrática. Técnicos, sem conhecimento ou vínculo com as realidades regionais, passaram a ditar regras discutíveis.

Operações com forte poderio repressivo. Conflitos em praça pública envolvendo sacoleiros e policiais. Mudanças constantes de regras. Portarias e normativas para a promoção de uma malsucedida integração aduaneira que gerou fechamento de empresas e demissões. Invasão de hotéis. Apreensão de veículos. Perdimento e cota zero são alguns dos pontos discutíveis.

Apesar da clara impossibilidade de atuar na fiscalização, os órgãos do governo travaram a fronteira gerando prejuízos para a livre e soberana circulação rotineira de moradores e visitantes.

Há de se incluir ainda, nesse rol, as declarações ofensivas sobre a cidade, tratando-a como um grande problema. A falta de políticas públicas para evitar o caos social e o avanço da criminalidade.

Preocupadas com o teor dos relatórios apoiados por entidades como a Abrinq, ABCF, ETCO, representantes de empresas nacionais e multinacionais, além dos interesses norte-americanos, as autoridades brasileiras esqueceram que Foz do Iguaçu integra o Brasil.

O governo federal não priorizou as urgências locais que se resumem em políticas para a retomada do desenvolvimento regional, respeitando as vocações relacionadas ao comércio e setor de serviços, em especial o turismo.

Adotou o discurso da integração baseado na generosidade brasileira para com o Paraguai sem observar que isso não estimulou a relação comercial saudável ou atendeu às necessidades fronteiriças com respeito pelas vocações locais.
Enquanto isso, no cenário nacional as importações da China revelam subfaturamento, triangulação e burlam a classificação dos produtos. Ingressam no país pelo importabando (analogismo criado pelo ex-delegado da Receita Federal em Foz do Iguaçu Mauro de Brito) num processo que cresce de forma assustadora e incontrolável.
Assim como está se revelando incontrolável o contrabando pelo Lago de Itaipu e Rio Paraná. Situações previstas e comunicadas as nossas autoridades. Mas elas subestimaram as recomendações. Faltou-lhes humildade, e excederam no poder e na soberba.

Apesar do importabando, portos e aeroportos brasileiros não são estrangulados pela fiscalização massiva. Aviões e navios não são retidos. Estivadores não perdem seus postos de trabalho, e despachantes aduaneiros não fecham seus escritórios. Empresas continuam operando a exemplo da grande empresa nacional que tentou entrar com mil contêineres contrabandeados pelo Porto de Manaus — pior, como se os produtos fossem produzidos na Zona Franca de Manaus. Muito pior, foram liberados.

Ainda assim os portões de entrada seguem operando normalmente. Bem diferente do que ocorreu em Foz do Iguaçu, que não tem qualquer relação administrativa com o comércio de Ciudad del Este. Nem mesmo recebe, em termos comerciais e sociais, qualquer contrapartida governamental ou empresarial do Paraguai. Apesar disso, Foz do Iguaçu continua sendo usada para compor acordos e sendo encarada como a causa dos problemas.

É uma cidade discriminada. O turista brasileiro, em viagem ao exterior, recheia malas e caixas com produtos, na grande maioria, de origem asiática. Acontece isso com os brasileiros que viajam para os EUA. Apesar disso não são discriminados nos aeroportos como são os turistas que optam por Foz do Iguaçu.

Na Ponte da Amizade o visitante é equiparado, pela fiscalização, à condição de sacoleiro. Não é demérito. Porém a longa fila de espera e o transtorno agem como desestímulo para a programação de uma nova visita. Na fronteira do Brasil com o Paraguai o viajante é alijado do costume mundial de aliar compras ao turismo.

Quem deseja recolher o tributo sobre produtos adquiridos no Paraguai, que ultrapassem a cota permitida, deve cumprir horário bancário e fazê-lo apenas na Ponte da Amizade. Na fronteira com a Argentina não existe posto de atendimento. Aeroporto e rodoviária estão fora da zona primária. Sábado, domingo e feriado, nem pensar. Exigem que se cumpra um serviço que não se preocupam em disponibilizar ao cidadão, impondo horário e dia para compra e legalização.

Não podemos permitir que continuem agindo assim e enfraquecendo a nossa economia para cumprir acordos diplomáticos. Em um momento a fronteira é fechada a ponto de asfixiar; e em outro, liberada por ineficiência dos órgãos fiscalizadores que não conseguem atender à demanda nem mesmo para processos de recolhimento de tributos.

Para evitar tal situação, sempre defendi a adoção de políticas claras para o comércio e o turismo com controles compartilhados e regras equivalentes nos países da Tríplice Fronteira que atendam a todos.

Os moradores da fronteira também sofrem. Daí a exigência de um regime especial de circulação de pessoas e mercadorias entre os vizinhos para se evitar situações como a vivida atualmente na fronteira com a Argentina, que num determinado momento permite e em outros proíbe esta circulação de mercadorias.

Há anos venho propondo políticas econômicas que visam a formalizar e fortalecer as relações e a integração dos países latino-americanos. Em especial os limítrofes. Para isso é necessário que o Estado e seus tecnocratas se dispam dos poderes repressivos. Que sentem à mesa com os povos das fronteiras e juntos busquem soluções.

As coisas não são tão complicadas quanto são apresentadas para a mídia. Somos usados como bodes expiatórios. Há anos insisto — e hoje minhas avaliações são confirmadas — que o combate ao contrabando e ao descaminho, na forma como é desenvolvido na região, não atingirá o resultado esperado e seguirá destruindo a economia formal, além de fomentar o caos social.

Saídas existem. São medidas capazes de fortalecer a indiscutível necessidade de combater o contrabando. Exigem apenas a vontade do governo através das mesmas portarias e normativas que nos açoitam durante anos.

O problema de Foz do Iguaçu, em especial, não está relacionado ao cálculo de quanto será arrecadado em impostos com a formalidade do sacoleiro, tampouco resover um problema diplomático. O que precisamos é de saídas para o desemprego e ações que fomentem o fluxo turístico nesta região para provocar a movimentação quantitativa de pessoas e de renda, a exemplo da década de 90. Ampliar a cota de bagagem acompanhada para o turista dispensa, por exemplo, o debate da MP 380 e de seus resultados tíbios. Basta calcular as vantagens e desvantagens da iniciativa.
Mesmo que a medida provisória seja aprovada com imposto de 25% sobre as mercadorias, desconhecendo a situação do ICMS devido ao Estado do Paraná ou Mato Grosso do Sul e impostos correspondentes à microempresa, as mercadorias ficariam mais caras que as oferecidas em São Paulo. Graças ao subfaturamento e ao importabando, pouquíssimos benefícios ela trará em termos de geração de empregos para Foz do Iguaçu. O problema social persistirá e tenderá a se agravar ainda mais.

Qualquer sociedade precisa de oportunidades de trabalho. Com trabalho haverá o dinheiro que proporciona direitos básicos como a saúde, educação, moradia, segurança, dignidade e qualidade de vida. Do contrário serão fomentados bolsões de miséria e a criminalidade insuportável e incontrolável.

No lugar da MP 380, deveriam oferecer mil dólares de cota no Paraguai e mil dólares de cota na Argentina ao turista que permanecer no mínimo três noites numa das cidades que compõem a Tríplice Fronteira, além de permitir a fusão de cotas entre o casal e filhos abaixo de 18 anos com 50% da cota do adulto — a exemplo da política de controle aduaneiro aplicada à Zona Franca de Manaus, o que pode estimular as viagens em família ou grupos. 

Condicionar esta proposta à contratação de trabalhadores em todos os setores talvez seja dispensável pela conseqüência natural no momento em que a economia estiver sendo impulsionada pela demanda de turistas.

Isso nos tornaria mais competitivos, em especial frente aos destinos internacionais que recebem milhares de turistas brasileiros ávidos pelas compras. A proposta movimentará todas as atividades econômicas e gerará novos postos de trabalho. Fará girar a economia em benefício de todos.
Foz do Iguaçu pode, por tempo determinado, receber tratamento fiscal diferenciado com a redução dos impostos sobre os produtos nacionais para a venda no comércio local. Isso favorece o comércio e defende a indústria. O aumento na arrecadação de impostos, diretos e indiretos, no setor de serviços suprirá a suposta renúncia fiscal do ato. 

O turismo nacional tem representado, nos tempos atuais, um ponto negativo com a evasão de divisas. Nossos turistas gastam mais no exterior que os estrangeiros gastam em solo brasileiro. Tudo é questão de oportunidade. Foz do Iguaçu por sua história pode auxiliar o país neste momento, assim como auxiliou em vários outros. A diferença é que desta vez o interesse atende à região, e não apenas ao governo federal. Talvez por isso seja mais difícil. Na realidade, quando se trata da fronteira, temos muitos deveres e poucos direitos.  

Fouad Mohamad Fakih uxs
Empresário
fouad@fouadcenter.com.br

(Artigo publicado na Gazeta do Iguaçu, 13 de setembro)

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